Terminado o Sermão da Montanha, a leitura contínua do evangelho de S. Mateus prossegue com a vocação (chamamento) dos discípulos e com o discurso da missão. Hoje, no evangelho Jesus chama Mateus (nos evangelhos de Marcos e de Lucas é chamado de Levi) para fazer parte do grupo dos Apóstolos. Parece, à primeira vista, um convite como todos os outros: Jesus toma a iniciativa, encontra-se com Mateus, chama-o e ele deixa tudo imediatamente para O seguir. Mas, o chamamento de Mateus tem alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, Mateus é o autor do evangelho, ou seja, é o narrador que relata a sua própria vocação. Em segundo lugar, Mateus era um publicano, um cobrador de impostos, considerado um pecador na sociedade judaica. Este elemento é importante, porque, depois da vocação de Mateus, afirma-se: “Um dia em que Jesus estava à mesa em casa de Mateus, muitos publicanos e pecadores vieram sentar-se com Ele e os seus discípulos”. Como é importante destacar a ideia de que Jesus chama sem ter em conta a condição social do candidato, “sem fazer acepção de pessoas”. Aquilo que mais interessa a Jesus é o desejo de O seguir daquele que é chamado. Esta atitude de Jesus exprime o amor universal de Deus que deseja que todos os homens se salvem, fazendo nascer ao mesmo tempo o sol sobre os justos e os pecadores.
Esta atitude aberta de Jesus incomodou os fariseus, convencidos que eram os “eleitos”, ou, como se diz na linguagem dos “media”, tinham o “exclusivo”. Jesus responde-lhes: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes” e “Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”. Estas afirmações de Jesus podem levar-nos a reflectir sobre os destinatários da nossa acção evangelizadora, não esquecendo de que também somos pecadores e, por isso, necessitamos da salvação que vem do Senhor, mas que para a receber é necessária uma atitude aberta e humilde e nunca auto-suficiente. A tentação de pensar que a salvação está assegurada é antiga. O povo judeu considerava-se o povo eleito e, através de ritos e de práticas cultuais, de ofertas e de sacrifícios, pensava que tinha Deus sempre do seu lado. Os profetas foram sempre recordando que a verdadeira fé supõe as obras. Por isso, hoje, Oseias diz-nos na primeira leitura: “Procuremos conhecer o Senhor”, ou seja, em primeiro lugar, amar o Senhor com todo o coração. “Eu quero misericórdia e não sacrifícios, o conhecimento de Deus, mais que os holocaustos”. Jesus usa esta frase no evangelho para justificar a sua presença entre os pecadores que estão mais receptivos a uma mensagem de salvação que os próprios justos. Esta ideia aparece também no salmo responsorial: o que Deus dá mais importância não são os sacrifícios nem os holocaustos, mas a vida, “A quem segue o caminho recto darei a salvação de Deus”.
S. Paulo oferece-nos, neste Domingo, uma reflexão idêntica. A ideia central da sua Carta aos Romanos é a seguinte: o que salva não é o cumprimento escrupuloso da Lei do Antigo Testamento, mas a fé em Deus e a graça obtida por Jesus Cristo. Na segunda leitura, S. Paulo apresenta-nos o exemplo de Abraão que, “perante a promessa de Deus, não se deixou abalar pela desconfiança, antes se fortaleceu na fé, dando glória a Deus”. E isto Deus teve em sua consideração como também tem em consideração a vivência e a firmeza da nossa fé em Jesus morto e ressuscitado “para nossa justificação”.
Hoje, não somos escravos de ritos e de formas legalistas como em outros tempos. Porém, é sempre oportuno recordar que deve haver coerência entre a fé e a vida. Recordemos o evangelho do Domingo anterior: “Nem todo aquele que Me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos Céus, mas só aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus”. Sendo assim, a nossa fé deve expressar-se não só com palavras, com teorias, com formas externas, mas também com um amor verdadeiro a Deus e aos irmãos, esforçando-nos por viver como Jesus em todos os momentos da nossa vida (“uma vida santa” – oração depois da comunhão). A Oração Colecta deste Domingo é um resumo da nossa reflexão: “ensinai-nos com a vossa inspiração a pensar o que é recto e ajudai-nos com a vossa providência a pô-lo em prática”.
Leitura Espiritual
«Segue-Me»
«Jesus ia a passar, quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança dos impostos, e disse-lhe: “Segue-Me”». Não o viu tanto com os olhos do corpo, mas com o seu olhar interior, cheio de misericórdia. Jesus viu um publicano, compadeceu-Se dele, escolheu-o e disse-lhe: «Segue-Me», isto é, imita-Me. Convidou-o a segui-lO, mais que com os passos, no modo de viver. Porque «quem diz que permanece em Cristo deve também proceder como Ele procedeu» (1Jo 2,6).
Mateus levantou-se e seguiu-O. Não devemos admirar-nos de que o publicano, ao primeiro chamamento do Senhor, abandonasse os negócios terrenos em que estava ocupado e, renunciando aos seus bens, seguisse Aquele que via totalmente desprovido de riquezas. É que o Senhor chamava-o exteriormente com a sua palavra, mas iluminava-o de um modo interior e invisível para que O seguisse, infundindo na sua mente a luz da graça espiritual, para que pudesse compreender que Aquele que na Terra o afastava dos negócios temporais lhe podia dar no céu tesouros incorruptíveis (cf Mt 6,20).
«Um dia em que Jesus estava à mesa em casa de Mateus, muitos publicanos e pecadores vieram sentar-se com Ele e os seus discípulos». A conversão de um publicano deu a muitos publicanos e pecadores um exemplo de penitência e de perdão. Foi, na verdade, um belo e feliz precedente: aquele que havia de ser apóstolo e doutor das gentes atraiu consigo ao caminho da salvação, logo no primeiro momento da sua conversão, um numeroso grupo de pecadores. (São Beda, o Venerável, c. 673-735, monge beneditino, doutor da Igreja, Homilias sobre os evangelhos I, 21).