Há ditados populares que carregam verdades intemporais.
Apesar do gradual desaparecimento daquela luminária, que queimava lentamente as gorduras (como o azeite) e os hidrocarbonetos (como o petróleo), através da mecha, e que de uma forma geral o povo entendia que à frente alumiava duas vezes, lembra-nos do poder transformador de quem guia o caminho, iluminando não só a sua própria rota, mas também a de quem vem atrás. Esta visão luminosa, deve convidar todos a refletir sobre liderança, progresso e esperança, uma vez que vivemos “uma mudança de época” (como diria o Papa Francisco) política, religiosa e social.
Neste mês de maio, esta visão ganha um significado especial ao recordar o nascimento de Florence Nightingale. Esta mulher de sangue inglês, viu pela primeira vez a luz em Florença, no dia 12 de maio de 1820, sendo reconhecida anos mais tarde como a fundadora da enfermagem moderna. Embora passados mais de cento e cinquenta anos do choque bélico que a tornou célebre – a Guerra da Crimeia (já no século XIX em conflito armado), ainda hoje lhe reconhecemos a coragem e dedicação com que, cuidou de soldados feridos em condições precárias. Também ela munida de uma candeia, com a qual vigiada os doentes durante as noites, aliviando-lhes o sofrimento e a solidão.
O legado de Nightingale mudou para sempre a forma como vemos a enfermagem e a prestação de cuidados de saúde, transformando a prática de enfermagem numa atividade profissional, assente no conhecimento científico, com uma metodologia científica e voltada para a investigação, abandonando de vez, o cariz não profissional. A ênfase que colocou na higiene, na organização hospitalar e na formação de enfermeiras salvou inúmeras vidas e estabeleceu padrões seguidos até hoje. Não admira que, o dia do seu nascimento (12 de maio), tenha sido o escolhido para instituir o Dia Internacional do Enfermeiro, em sua homenagem, evocando o valor destes profissionais.
O Dia Internacional do Enfermeiro é uma oportunidade para valorizarmos quem, tal como Nightingale, se dedica ao cuidado do próximo. Em hospitais, centros de saúde e unidades de saúde familiares, lares e unidades de cuidados continuados, ou em muitos outros, os enfermeiros são candeias que iluminam “caminhos” difíceis, mesclando competências técnicas, relacionais, instrumentais, comunicacionais, científicas, e acima de tudo – humanas. É justo destacar o papel vital que desempenham nas nossas comunidades: estão na linha da frente do cuidado, desde a maior das instituições até ao mais pequeno dos serviços. Ao assinalarmos este dia, reforçamos a gratidão e o respeito por quem cuida, inspirando-nos no seu exemplo.
Mas a luz que guia não se limita à saúde. Também na esfera cívica e política precisamos de candeias que vão à frente, apontando caminhos de futuro. Portugal vive mudanças políticas significativas, com eleições legislativas que nos trará mais um ciclo governativo. Após momentos de incerteza, os portugueses irão às urnas e demonstrarão a vitalidade da nossa democracia. A forte participação e a serenidade do ato eleitoral foram sinais de maturidade, que passados cinquenta anos de voto livre (25 de abril de 1975), devem manter a chama da liberdade acesa, possibilitando ao povo escolher de forma pacífica e consciente.
Com uma nova legislatura, renova-se a esperança de que o país possa enfrentar os desafios com energia redobrada. Independentemente das cores partidárias, espera-se que prevaleça o compromisso com o bem comum. Apesar dos gigantescos desafios na saúde, educação e economia, há sempre a oportunidade de fazer melhor. As nossas populações anseiam pela promoção do desenvolvimento económico e social, e pela valorização dos serviços essenciais à comunidade.
Da enfermagem à governação, a lição é clara: a liderança pelo exemplo tem um efeito multiplicador. Florence Nightingale, com a sua “candeia”, iluminou mais do que os corredores de um hospital de campanha – abriu caminho para a dignificação do cuidar e para o desenvolvimento da saúde pública. Do mesmo modo, cada candeia que assume a dianteira – seja um enfermeiro proficiente, seja um governante comprometido – pode iluminar o porvir de todos.
“Candeia que vai à frente alumia duas vezes”: cada passo pioneiro beneficia tanto quem o dá como toda a comunidade que o segue. O futuro constrói-se com a confiança de quem leva a candeia e a determinação de quem segue essa luz.
Autor:
Luís Miguel Condeço
Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu