Autor
Luís Miguel Condeço
Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu
É já no mês de maio que todos podemos assistir ao sempre aguardado Festival da Eurovisão, e que tantas alegrias nos traz ao recordarmos o Salvador, o Zé, o Carlos ou a Simone. E destes extraordinários artistas há uma caraterística comum, a sua voz única e cativante.
As vozes melodiosas fazem emergir em nós sensações agradáveis e de bem-estar, independentemente de se tratar de uma soprano ou de um tenor, como o Andrea Bocelli, um dos meus preferidos.
A capacidade de vocalizar sons deve-se ao complexo aparelho que possuímos e que podemos dividir em três partes distintas: os pulmões que geram um fluxo de ar e que por ação conjunta com o diafragma, expulsam o ar que passa pela laringe (onde estão as cordas vocais), e que sai pelos lábios e fossas nasais. A vibração das cordas vocais e a ação dos músculos e estruturas da cavidade oral contribuem para articular e modelar o som (voz), conferindo a sua própria unicidade a cada um de nós.
No ser humano as cordas vocais podem vibrar entre 125 ciclos por segundo no homem (voz grave), a 250 ciclos por segundo na mulher (voz aguda). Correspondendo a uma frequência (velocidade de propagação do som) entre 100 a 200 hertz nos homens e 200 a 400 hertz nas mulheres, enquanto que nas crianças a frequência da voz não é inferior a 300 hertz. É claro, que a capacidade de absorção (audição) do som atinge frequências mais elevadas, mas nunca tanto como outros mamíferos (golfinhos).
Tal como na natureza, também o homem depende da emissão de sons para comunicar, interagir ou relacionar-se, e a má utilização do seu aparelho vocal é responsável por um diverso número de doenças. Foi pelos crescentes episódios de disfonia (alterações na emissão vocal) e com o objetivo de promover a saúde do aparelho vocal e prevenir doenças da laringe, que a Sociedade Europeia de Laringologia e principalmente pela iniciativa do seu presidente português (Professor Mário Andrea), que em 2003 se começou a comemorar o Dia Mundial da Voz, no dia 16 de abril.
Proteger a voz é possível, basta que adote alguns cuidados:
- A hidratação é fundamental, deve beber água à temperatura ambiente com frequência;
- Reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas e gaseificadas, assim como, as bebidas muito quentes (café e chá);
- Não deve fumar, e os espaços com presença de fumo devem ser evitados;
- Evitar os ambientes onde existam partículas inaláveis (pó e/ou ar condicionado);
- Falar de forma pausada, articulando bem as palavras;
- Evitar os ambientes ruidosos, pois vão propiciar a elevação do tom da voz;
- Não sussurrar, pois provoca um esforço acrescido na voz;
- Adotar estilos de vida saudáveis.
Estes cuidados não dispensam a nossa atenção quanto a sinais de alerta, que devemos ter em conta: a rouquidão (ou alterações na voz), dificuldade em engolir, sensação de corpo estranho, perda súbita de peso, falta de ar, tosse com presença de sangue, hemorragia nasal e tumefação cervical (pescoço).
Os tumores da orofaringe, laringe e traqueia devem ser alvo de uma rápida intervenção multidisciplinar, mas para isso é fundamental evitar os fatores de risco e realizar rastreios com alguma frequência. Além da vacinação contra o Vírus do Papiloma Humano, da evicção de inalação de partículas e da realização de uma correta higiene oral, não fume nem ingira álcool, pois estes dois fatores de risco aumentam 35 vezes o risco de aparecimento deste tipo de tumores.
Apesar da Maria da Fé apelar à utilização da voz até ao extremo, hoje sabemos que é essencial preservá-la e protegê-la. Podemos cantar, mesmo que os dotes artísticos não sejam inatos para todos, mas sem que a voz nos doa.