Pandemia, confinamento, distanciamento, isolamento; são palavras, regras que “primeiro estranha-se e depois entranha-se” como dizia Fernando Pessoa. Não são só as perturbações nervosas, psicológicas e emocionais que crescem a par com a pandemia são também os gritos amordaçados e aprisionados daqueles que são vítimas do flagelo de uma outra pandemia, que se alastra paralela e silenciosamente no âmago da nossa sociedade – a violência doméstica.
É importante dissociar a violência doméstica a estereótipos e consciencializar que este flagelo é transversal à condição social e económica, e que é de facto uma realidade atual. A violência doméstica é vulgarmente identificada pela agressão física, e muitas vezes reduzida a essa red flag. Contudo, este género de violência é manifestada inicialmente, e mais frequentemente, através do abuso psicológico, o que torna mais difícil a respetiva sinalização.
Ao refletir sobre esta matéria, vamos encontrar nas diversas faixas etárias, mas mais proeminentemente nas camadas mais jovens, padrões comportamentais que são vulgarmente subavaliados e que deveriam ser tomados como sinais de alertas. As manifestações exageradas e afeto é um dos comportamentos característicos de um relacionamento abusivo. É certo que a manifestação do amor é algo que surge naturalmente e que faz parte de qualquer relacionamento sadio, no entanto, todo o excesso deve ser claramente um aviso, especialmente quando as palavras não refletem a realidade das atitudes do dia-a-dia, mas sim uma manipulação de pormenorizada de circunstância. Um outro indício, é a imposição de mudança de personalidade ou de princípios. Qualquer relacionamento é uma aprendizagem, uma evolução, que se vai construindo com flexibilidade e mudança quando estas reforçam positivamente e construtivamente o “eu” interior. Por conseguinte, quando a mudança implica o carcere da expressão das próprias referências e personalidade torna-se tóxico e abusivo.
A agressão verbal e psicológica é talvez a manifestação mais fácil de sinalizar, e também a mais comum. Este tipo de ocorrência vai aparecendo e dominando o dia-a-dia, através das frequentes críticas depreciativas, como por exemplo a desvalorização das conquistas e ou a ridicularização de opiniões. É nesta fase que a autoestima é começa a diluir-se numa teia invisível mas muitíssimo traiçoeira. Seguem-se outros comportamentos, como a manipulação emocional através da imputação de culpa sobre os acontecimentos de agressão; as sucessivas violações de privacidade; às diversas tentativas e atos de controlo de rotinas e de estrangulamento da independência financeira e emocional do par. A vítima torna-se refém e carcerada numa sensação de impotência e capacidade de auto gestão emocional. Com este quadro atípico, surgem facilmente os comportamentos agressivos, gritos, ameaças e as diversas chantagens emocionais de abandono e de danos materiais e físicos.
Estas manifestações comportamentais são habitualmente mal interpretadas e desvalorizadas, no entanto, é importante sublinhar que um relacionamento saudável é aquele que acrescenta e promove o crescimento do seu eu interior ao invés de o subtrair.
Neste enquadramento é importante procurar ajuda psicológica e emocional. É, neste contexto que a Hipnose Clínica se assume como uma ferramenta terapêutica de grande auxílio pela sua eficácia e versatilidade. Numa fase inicial, existe uma aposta na libertação emocional da vítima, em que os processos de manifestação de culpa e emoções negativas são trabalhados. Seguidamente, a terapêutica através das várias técnicas associadas à regressão, permite a visualização e a resignificação das memórias traumáticas, promovendo um novo olhar e perceção sobre os vários comportamentos e experiências negativas. Nesta fase são também trabalhados as síndromes de pânico, depressões, resultantes da exposição tóxica.
Numa fase final, a terapêutica assenta no resgate da autoestima, onde o auto conceito é trabalhado com o objetivo da consolidação e da superação das experiências negativas, promovendo, assim, uma nova forma de ser e de estar perante a vida e os acontecimentos futuros.
“O afeto é o amor feito consciência” Carlos Bernardo González Pecotche
Sara Morais
Hipnoterapeuta