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Artigo de opinião de Luís Miguel Condeço—Educação Assexuada

Em Portugal, a Educação Sexual é legalmente obrigatória desde 2009. No entanto, quem acompanha a realidade escolar percebe rapidamente que sua implementação é mais teórica do que prática, e mais desejada do que efetivamente realizada. Na maioria das escolas, tópicos relacionados à sexualidade, no seu sentido mais amplo e humano, aparecem esporadicamente, entre uma aula de ciências naturais e uma sessão pontual com um profissional de saúde. A sexualidade ainda é vista como um risco a evitar, e não como um direito a ser vivido. Essa é a grande contradição da Educação Sexual em Portugal: sendo um dever do Estado, permanece uma tarefa negligenciada.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a sexualidade é “um aspecto central do ser humano ao longo da vida”, influenciada por fatores biológicos, psicológicos, sociais, culturais, éticos e espirituais. Na escola portuguesa, essa centralidade frequentemente é negada, e a sexualidade permanece como um tema secundário, muitas vezes considerado desconfortável, sendo relegada a atividades extracurriculares ou a abordagens improvisadas na educação.

A Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, ainda vigente, determina que a Educação Sexual seja ensinada do 1.º ao 12.º ano, inserida na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (no 2º e 3º ciclos) ou por meio de projetos transversais. Contudo, e após mais de uma década depois da sua publicação, o Ministério da Educação admite que muitas escolas não cumprem totalmente a lei. Entre os obstáculos estão a falta de gabinetes de apoio ao aluno, recursos humanos insuficientes, escassez de tempo letivo ou espaço físico, além de equipas pedagógicas pouco preparadas e quase nenhum envolvimento de encarregados de educação.

Para além disso, a abordagem dominante continua excessivamente centrada na componente biológica da sexualidade: gravidez, infeções sexualmente transmissíveis, puberdade; descurando os afetos, os valores, a identidade, a igualdade de género, os direitos sexuais e reprodutivos, a intimidade, o prazer e a responsabilidade. A Educação Sexual é assim reduzida a uma lógica de prevenção do risco, muitas vezes enviesada por preconceitos, ausente de uma perspetiva emancipadora.

Manuel Damas, sexólogo português, afirma que “a sexualidade e os afetos são essenciais na formação do ser humano e as escolas têm uma função determinante na desconstrução de tabus e mitos”. De facto, mais do que ensinar a evitar riscos, a escola deve educar para viver, para compreender o corpo, respeitar o outro, assumir os desejos com responsabilidade, reconhecer a diversidade de identidades e expressões. A adolescência, com as suas descobertas e contradições, exige informação rigorosa, espaço para o diálogo e uma pedagogia dos afetos. Esconder a sexualidade é condenar os jovens à ignorância e à culpa.

Estudos e relatórios internacionais demonstram que os programas de Educação Sexual Compreensiva contribuem para o adiamento do início da vida sexual, redução do número de parceiros, maior uso de contracetivos, e talvez mais importante, para o desenvolvimento de relações mais saudáveis e menos violentas. Estes programas reconhecem a sexualidade como parte da dignidade humana e promovem atitudes mais inclusivas, diminuem a homofobia, a discriminação e a violência baseada no género.

A falta de um programa nacional bem estruturado, que seja substituído apenas por “orientações” e uma grande liberdade para cada escola, levará a uma grande disparidade na aplicação da lei. Contudo, poderemos contar com escolas que criam projetos sólidos, trabalhando em parceria com profissionais de saúde, organizações não governamentais e serviços comunitários.

Um exemplo de boa prática nesta área é o projeto “Devagar que tenho P®essa”, da Escola Superior de Saúde de Viseu, que promove a literacia em saúde sexual e afetos junto de alunos do ensino básico (2º e 3º ciclos), através de sessões educativas, formação de professores e materiais pedagógicos. Esta iniciativa preenche lacunas deixadas pelo sistema, mostrando como a escola pode, de facto, educar para a sexualidade de forma estruturada, respeitosa e transformadora.

É tempo de resgatar a dimensão pedagógica da sexualidade e afirmar o papel da escola como espaço de formação integral. Para isso, é urgente investir na formação dos professores, envolver os pais, criar equipas multidisciplinares efetivas, integrar os alunos nas decisões e garantir que todas as escolas do país, de forma sistemática e sustentada, assumam a Educação Sexual como prioridade. Não como um apêndice, mas como parte essencial da Educação para a Saúde, da Educação para os Direitos Humanos e, em última análise, da Educação para a Vida.

Autor

Luís Miguel Condeço

Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu

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