Estudo realizado pela Universidade da Beira Interior mapeou os “desertos de notícias” em Portugal. Maior problema está nas regiões de Trás-os-Montes e Alentejo.
Mais de metade dos concelhos em Portugal é ou está na iminência de se vir a tornar desertos de notícias, enquanto um quarto deles não têm cobertura noticiosa frequente, aponta o estudo “Desertos de Notícias Europa 2022: Relatório de Portugal”, realizado pelo projeto MediaTrust.Lab, da Universidade da Beira Interior.
Os dados revelam que mais de um quarto dos concelhos de Portugal estão em algum tipo de deserto de notícias, ou seja, não têm cobertura noticiosa satisfatória ou frequente. Dos 308 concelhos, 78 (25,3%) estão em algum tipo de deserto de notícias, isto é, não possuem meios de comunicação com sede no concelho sobre o qual produzem conteúdos. Destes 78 concelhos, 54 (17,5%) estão num deserto total, isto é, não possuem nenhum meio de
comunicação que produza notícias, e 24 (7,8%) estão em semi-deserto, ou seja, têm
apenas noticiário menos frequente ou insatisfatório.
De referir ainda que há 88 (28,6%) que se encontram sob ameaça de entrarem no deserto, pois possuem apenas um meio com produção noticiosa regular. No total, 166 (53,9%) encontram-se ou em deserto de notícias, em semi-deserto ou estão ameaçados. Falamos de concelhos que se encontram numa situação de alerta em relação à cobertura noticiosa.
Neste estudo, que analisou os media registados na Entidade Reguladora para a
Comunicação Social (ERC), não foram observadas as características das notícias
publicadas nem se o noticiário veiculado pelos meios de comunicação social é produzido por jornalistas com carteira profissional. Foi aferida a presença ou ausência de jornalistas e de meios de comunicação social nos concelhos.
“Este é um estudo pioneiro em Portugal e também na Europa, em que se pretende lançar
um primeiro olhar para o problema da falta de cobertura noticiosa sobre os territórios mais
pequenos. São concelhos em que a população se informa sobre Portugal e sobre a Europa,
mas não há informação fiável sobre o que acontece em seu entorno. É preciso aprofundar
este estudo incluindo outros indicadores e continuar o mapeamento anualmente para
perceber a evolução da cobertura noticiosa, nomeadamente no interior do país”, explica
Pedro Jerónimo, coordenador do estudo, que também tem autoria dos investigadores
Giovanni Ramos e Luísa Torre.
As regiões Norte, Centro e Alentejo concentram mais de 80% dos desertos e semi-desertos
de notícias em Portugal. Nestas regiões, encontram-se 63 dos 78 concelhos em desertos e
semi-desertos. No distrito de Portalegre, de um total de 15 concelhos, 9 (60%) estão
incluídos no mapa dos desertos. Em Bragança, são 7 (58,3%) dos 12 concelhos.
Caminhos para fortalecer os media regionais
O estudo foi lançado nesta segunda-feira (5), na Universidade da Beira Interior, no âmbito
do Fórum “O papel dos media no desenvolvimento do(s) território(s)”, que também contou
com debate que reuniu Flávio Massano, presidente da Câmara Municipal de Manteigas,
João Leitão, professor do Departamento de Gestão e Economia da UBI, e João Moraes
Palmeiro, diretor executivo do Aveiro Media Competence Center (AMCC). Foi assinado
ainda protocolo entre a UBI e a Associação Portuguesa de Imprensa.
Manteigas é atualmente um deserto de notícias. Para Flavio Massano, presidente da
Câmara Municipal, os meios de comunicação social são fundamentais para ligar as pessoas
ao território, incluindo aqueles que vivem longe.
“Em alguns territórios, como em Manteigas, se não houvesse redes sociais, poderíamos
estar num período comparado a ditadura, pois não há informação. Já há desinformação, já
há discurso extremista, fake news, discurso de ódio. Mas não há uma fonte fidedigna que
transmita os fatos do nosso concelho,” diz ele, apontando que o Estado deve intervir nestas
lacunas, sendo mais um dos elementos de combate à desertificação dos territórios.
Não é mais Estado, mas é preciso que o Estado alcance outro nível de qualidade,
sobretudo como entidade de regulação, diz o professor João Leitão. “É necessário um
Estado que seja capaz de pensar uma visão digital, moderna, que antecipe a mudança que
está em curso. E que seja capaz de o fazer através da regulação, evitando a captura das
agências reguladoras e dos agentes que estão no terreno, para que os media possam
assumir sua função de literacia e capacitação,” explica Leitão.
Outra questão fundamental neste debate é o financiamento dos meios regionais e (outros)
modelo de negócio possíveis. Para o diretor executivo da AMCC, João Moraes Palmeiro, a
indústria mediática não conseguiu acompanhar a mudança dos hábitos de consumo de
notícias em todo o mundo e o resultado foi um desequilíbrio grave: as plataformas levam
95% do investimento em publicidade global, e só 5% é canalizado para os media.
“Há um problema grave de modelo de negócio, mas muitos media preferem ter a notícia lida
1000 vezes gratuitamente do que ter 100 pessoas a pagar para ler. Esse modelo de
negócio não permite que os media existam. Mesmo assim, muitas vezes conseguimos
angariar investimento mas não conseguimos o resultado pois falta cultura, organização e
falta fazer negócio,” afirma.