Na parte final do evangelho de João, situa-se o texto deste Domingo que narra a terceira manifestação de Jesus depois da ressurreição. É um texto muito importante, porque frisa alguns pontos importantes, a saber: o que é essencial e que não se vê com os olhos, mas com o coração, e o que é importante ter em atenção, mesmo não sendo a parte mais visível, mas superficial e discreta. Jesus manifesta-se no mar de Tiberíades, aquele mar que tinha sido tão importante para a missão de Jesus e também para a missão dos discípulos. Foi nas margens deste mar que Jesus chamou alguns dos seus discípulos. Foi neste mar que Jesus acalmou a tempestade, fazendo com que os discípulos aprendessem a confiar naquele que dormia na barca. Era este mar que Jesus atravessava para ir às regiões vizinhas e distantes, pagãs, para anunciar uma Boa Nova que era para todo o homem e toda a mulher que quisessem aceitar. É nas margens deste mar, ao amanhecer e não a meio da noite e das trevas que Jesus volta novamente a chamar os discípulos. Não é a noite da cruz, mas a aurora da ressurreição. A noite já tinha passado; agora, é preciso viver o novo dia que Jesus nos concedeu. Convida os discípulos a ir pescar e que o façam num determinado lugar (“à direita do barco”). Convida-os a viver de outra maneira, não imersos na obscuridade da cruz, na decepção ou no fracasso, mas caminhando com a esperança de que a morte não é nem tem a última palavra, porque o amor vence o ódio e o egoísmo. É no meio das nossas próprias tempestades, trevas, desânimos e fracassos que Jesus nos convida a levantar os olhos para Ele e viver com confiança e esperança, escutando-O e seguindo-O.
A rede cheia de peixes, cento e cinquenta e três, não se rompeu. Esta rede é símbolo de uma humanidade que está dilacerada pelas dificuldades, pela intolerância, pelo egoísmo, pela xenofobia, pela violência, pela pobreza. A rede que Jesus confia a Pedro, hoje, é-nos confiada a nós e ao sucessor actual de Pedro, o Papa e a todos os homens e mulheres de boa vontade, sejam quais forem as suas crenças e convicções, para construir um mundo mais fraterno e unido. É importante que a Igreja não olhe somente para o seu umbigo, mas que saia para as periferias da sociedade, a fim de anunciar a Boa Nova da ternura e da bondade. E quando tal acontece, tem de saber trabalhar, custe o que custar, com todos aqueles que querem um mundo mais justo, mais digno, mais humano.
A segunda parte do evangelho narra a tríplice pergunta de Jesus a Pedro, recordando-nos a tríplice negação, ocorrida há bem pouco tempo. Pedro é o discípulo entusiasmado, que não tem medo de nada, que tira a espada da bainha para defender o seu mestre, mas é também aquele que o nega três vezes, talvez com medo de se comprometer. Apesar disto, Jesus não lhe fecha a porta; continua a confiar nele, oferece-lhe a oportunidade de lhe dizer, por três vezes, que O ama e convida-o, novamente, a segui-Lo. Jesus ressuscitado também se manifesta na nossa vida, entre os nossos medos e debilidades para que possamos dizer-lhe, como Pedro, que O amamos e que O queremos seguir.
De acordo com o Evangelho, amar não se trata de uma relação que se estabelece entre Jesus e cada um de nós. Amar Jesus quer dizer amar como Jesus e amar os predilectos de Jesus. Amar como Jesus quer dizer amar sem fronteiras, com um amor generoso que não é calculista nem manipulador. Em suma, amar Jesus quer dizer fazer crescer o amor de Deus onde falta o amor. Assim, que resposta temos à pergunta de Jesus: “Tu amas-Me?”. Será que responderíamos, como Pedro: “Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo”?
Senhor, Tu sabes tudo e sabes que na minha vida procuro amar aquele que se cruza no meu caminho e que precisa de mim, seja ele quem for. Sem me fixar na sua origem, na sua identidade, mas na sua necessidade de ser amado. Senhor, dá-me a força necessária para assim proceder. Jesus partiu o pão e o distribuiu, juntamente com os peixes, aos seus discípulos. Hoje, partilha connosco o pão e o vinho, sacramento da sua vida entregue por todos. Que este alimento seja força para o nosso caminho, que nos ajude a amar cada vez mais e melhor.
LEITURA ESPIRITUAL
«Ao romper da manhã, Jesus apresentou-Se na margem»
O mar simboliza o mundo actual, batido pelas ondas tumultuosas das nossas ocupações e pelos turbilhões de uma vida caduca. E a terra firme da margem representa a perpetuidade do descanso eterno. Os discípulos afadigam-se no lago porque ainda estão presos nas ondas da vida mortal, mas o nosso Redentor, depois da sua ressurreição, permanece na margem, uma vez que já ultrapassou a condição da fragilidade da carne.
É como se Ele tivesse querido servir-Se dessas coisas para falar aos seus discípulos do mistério da sua ressurreição, dizendo-lhes: «Já não vos apareço no mar (Mt 14,25), porque já não estou entre vós, no meio da agitação das ondas». Foi no mesmo sentido que, noutro lugar, disse a esses mesmos discípulos após a ressurreição: «Disse-vos essas coisas quando ainda estava convosco» (Lc 24,44). Não lhes disse isto por já não estar com eles – pois o seu corpo estava presente e aparecia-lhes –, mas porque a sua carne imortal Se distanciava muito dos corpos mortais deles; Ele dizia que já não estava com os discípulos e contudo estava no meio deles. (São Gregório Magno, c. 540-604, papa, doutor da Igreja, Homilias sobre o Evangelho, n.º 24).