Abril, é o primeiro mês totalmente varrido pela primavera. O tempo começa a aquecer, os dias tornam-se mais longos, há mais luz. O ânimo melhora, depois dos dias curtos e frios do inverno.
Mas, abril também nos traz o dia 25. Esse feriado que ainda hoje, ao fim de tantos anos, e apesar de muitas vezes me sentir desiludido com a nossa classe política, ainda me faz “arrepios na espinha” como diz a sabedoria popular.
O meu filho, esse talvez nunca vá perceber este “arrepio na espinha”; nasceu totalmente na liberdade e democracia, muitos anos depois desse dia de abril.
Eu também já nasci na liberdade de abril; dois anos depois. Mas já sou filho da liberdade e da democracia.
Mas como todos os homens e mulheres dessa geração, cresci a ouvir as histórias da minha família, que diziam sempre “antes do 25 de abril” ou “no tempo do Salazar”.
Não sou a favor do tempo do Salazar, nem do antes do 25 de abril; muito pelo contrário; aprendi na escola, que a democracia, afinal é o pior regime político, à exceção de todos os outros, segundo Winston Churchill.
Essa mesma democracia que foi defendida na antiga Grécia, pelos Atenienses e seus aliados, contra a opressão e tirania do império Persa.
Já no século passado, muitas nações desiludidas com as suas classes políticas e dirigentes, viraram-se contra os valores democráticos e preferiram ditaduras; períodos esses em que se cometeram os mais bárbaros crimes contra a Humanidade em maior ou menor escala; Hitler, Stalin, Mussolini; nessa altura pela nossa Península Ibérica, aqui ao lado, Franco travou e venceu uma guerra civil que instituiu em Espanha uma ditadura, e aqui nas nossas terras Salazar comandou os destinos de Portugal desde 1932 até 1968.
Cresci a ouvir as histórias deste Estado Novo; a memória do Salazarismo, ainda estava presente nas conversas da minha avó e do meu avô, onde a fome, a opressão, a miséria, campeavam pelo nosso Portugal; era frequente ouvir histórias de prisões feitas pela PIDE, aos opositores do regime; prisões que além de arbitrárias faziam desaparecer durante tempos infinitos os detidos, impedidos de terem acesso a advogados ou de contactar as suas famílias; cresci a ouvir estas histórias na minha família, já que tinha um familiar que sofreu estes abusos às mãos da PIDE; detido numa noite, deixou a mulher grávida, e levado para Peniche, somente por ser comunista; quando foi libertado era Pai.
Cresci ainda a ouvir as histórias da Guerra Colonial, que hoje tanta celeuma causa entre certos grupos da nossa sociedade; cresci a ouvir as histórias do meu Pai, ex combatente, das motivações que havia na época e da propaganda do Estado Novo de que Portugal era uma nação pluricontinental e multirracial, posição essa plasmada na constituição de 1951.
Hoje, à distância de pelo menos 40 anos, recordo todas estas histórias convosco e as partilho; recordo ainda as imagens daquele dia de abril, em que Salgueiro Maia, saiu de Santarém, e rumou a Lisboa, para fazer parte da revolução.
Abril é mais que uma revolução, mais que cravos, mais que “Grândola, vila Morena” ou “e depois do adeus”.
Abril representa a vontade de mudança, de um governo ditatorial para governo do povo, pelo povo e para o povo conforme proclamou Lincoln um dia durante a sua presidência. De mudar o estado em que as coisas estavam; porque tal como disse Salgueiro Maia, antes de sair de Santarém em direção a Lisboa:
“Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos!”
Augusto Falcão