Autor
Luís Miguel Condeço
Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu
A violência contra a criança é infelizmente uma realidade, manifestada de diferentes formas e em diversas sociedades. Historicamente, apresenta-se como um fenómeno social e cultural de extrema relevância, considerado por muitos como um problema de saúde pública, além do cariz judicial e criminal.
A Organização Mundial de Saúde estima que 300 milhões de crianças com idades entre os 2 e 4 anos, sofrem regularmente punições físicas ou violência psicológica infligida pelos pais ou familiares, significando que três em cada quatro crianças são alvo de violência a nível global.
Um estudo publicado no mês passado referente aos dados sobre a violência e maus-tratos infantis no Brasil nos últimos dez anos, refere que os meninos são mais suscetíveis à violência física na infância (até aos 4 anos de idade) com uma taxa de 248 crianças por 100 mil habitantes, e as meninas são mais suscetíveis à violência física na adolescência (10 aos 14 anos de idade) com uma taxa de 232 adolescentes por 100 mil habitantes. Quanto à natureza dos agressores continua a ser o núcleo familiar, o local de proveniência, com o pai (41,1%) e a mãe (39,8%) a destacarem-se negativamente.
Em Portugal, dados de 2021 indicavam que cerca de 35 mil crianças estavam a ser acompanhadas e vigiadas por sofrerem de maus-tratos, e mais de metade destas com idade inferior a 3 anos. Todos os comportamentos moldam a vida das crianças, essencialmente nos primeiros mil dias de vida.
Em 1989 no estado da Virgínia, nos Estados Unidos da América, Bonnie Finney passava os fins de semana com os seus netos como grande parte das avós que conhecemos, contudo começou a estranhar o silêncio e a tristeza dos netos, e a recusa em retirar os casacos. A violência física infligida contra eles acabou por levar à morte o neto, e deixou profundas marcas físicas e psicológicas na neta. Então para demonstrar a sua dor face aos acontecimentos trágicos de que tinham sido vítimas as crianças, esta avó colocou uma fita azul (cor representativa das equimoses visíveis na pele) na antena do seu automóvel e começou a alertar toda a comunidade para violência sobre as crianças. O “Movimento Laço Azul” que Bonnie Finney acabara de criar impulsionou a comunidade internacional para a evocação no mês de abril como o Mês Internacional da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância, simbolizado pelo laço de cor azul.
As práticas punitivas por um comportamento inadequado caracterizaram-se no passado por palmadas, puxões de orelhas ou violência verbal, atos que são totalmente inaceitáveis. Estas práticas têm consequências várias, no entanto, destaco as mais comuns ou facilmente percetíveis pela comunidade escolar e profissionais de saúde: dificuldades na aprendizagem, ansiedade, angústia, medo, hostilidade, retribuição da violência, sequelas das lesões, e em última instância a morte.
A Universidade de Maastricht (Países Baixos) apresentou recentemente um estudo, mostrando que homens e mulheres são afetados de forma diferente pelos traumas na infância, elas mais pelos traumas emocionais e abuso sexual e eles mais pela negligência emocional e física. A exposição a maus-tratos na infância aumenta o risco de sintomatologia psiquiátrica na idade adulta.
Os maus-tratos infantis não podem ser esquecidos, apesar de ser reconhecida a sua subnotificação, e todos podemos ser agentes de mudança. Hoje a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, disponibiliza online um formulário para a comunicação de situações de perigo, bastando o acesso à página da internet (https://www.cnpdpcj.gov.pt/comunicar-situacao-de-perigo).
Cada um de nós tem um papel importante no direito a crescer com igualdade, “serei o que me deres… que seja amor” (frase da campanha nacional de 2021).
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