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Artigo de opinião de Augusto Falcão—-O que eu não quero

Acabou o mês de setembro, e por lógica, a época de incêndios rurais, ficando ainda na incógnita o que o mês de outubro nos possa trazer.

Na nossa memória coletiva ficam para trás a horrível semana em que vimos parte do País a arder, em especial nas zonas de Viseu e Aveiro.

Vimos no conforto do nosso sofá as televisões a bombardear-nos com reportagens infinitas, diretos da frente de fogo.

Vimos no conforto do nosso sofá, milhares de comentadores que opinam sobre tudo e mais que possa vir, num exercício de “tudologia” e “achisimos” disfarçados na legenda de “especialista sobre …”

Depois soubemos que afinal, tudo se repetiu da mesma forma de 2017 mas graças a algum poder divino ou ao esforço de alguns, aliados à resiliência das populações afetadas, ardeu muito em pouco tempo e que houve vítimas mortais.

Tal como em 2017, morreram pessoas que até aquela data eram incógnitas, mas que por acaso do destino, a tentar proteger o que era seu, ou a fugir acabaram por sucumbir as “mãos” do fogo.

Entre essas vítimas, a quem todos nós devemos o maior respeito, estavam 4 bombeiros. E embora todas as 9 vítimas (quando escrevo estas palavras é esse o balanço oficial) mereçam o meu respeito de forma igual, sinto a morte dos 4 bombeiros de forma diferente.

Sou bombeiro com orgulho. Desde tenra idade ia pela mão do meu Pai, ao quartel de Bombeiros, que me viu nascer para esta vocação, e onde o meu pai também era bombeiro.

As pessoas que me abordam dizem que é preciso coragem para fazer o que nós fazemos todos os dias; entrar num veículo, e “correr” de encontro ao fogo, quando os outros todos fogem; a coragem, não é a ausência de medo, mas a capacidade de algo fazermos apesar desse medo.

Talvez seja essa a nossa coragem; ou talvez não… dentro de cada um de nós, brota essa coragem para na “hora H” nós ajamos apesar de estarmos cheios de medo.

A morte, dizem os mais sábios, é parte da nossa vida; sim, é verdade, mas quando essa parte da vida, acontece no cumprimento de um dever, quando pagamos o preço supremo desse dever, a morte torna-se dolorosa. Para quem, como eu, vive esse estado de coragem tão “sui generis”.

Claro que há sempre alguém, ou alguns que pode dizer que faz parte da vida dos bombeiros morrer em serviço; claro que sim, tal como faz parte da vida desses comentadeiros, levarem para casa uns desaforos.

A vida de certos profissionais torna-os mais apetecíveis à morte, mas isso não significa que eles tenham de pagar esse preço;

Durante a semana que passou, toda a gente, se desdobrou em homenagens aos bombeiros, pelo seu sacrifício, pelo seu altruísmo, pela sua abnegação. Pelo fim da vida de 4 irmãos meus na linha da frente.

Os políticos esses então, desdobraram-se em declarações imensas, sobre esses trágicos acidentes, dizendo que depois iriam pedir responsabilidades e que se tinha que fazer reflexões. Palavras ditas e reditas depois de Pedrógão, depois dos fogos de outubro de 2017.

Desde então, nós bombeiros, fizemos um sem número de serviços; de intervenções; lutamos mais uma vez contra o fogo, ano após ano…

E quando foi votado na Assembleia da República uma proposta de lei depara reconhecer os bombeiros como profissão de desgaste rápido, e para poderem ter acesso à reforma antecipada, o projeto é reprovado, com os votos contra do PS, abstenção do PSD, e os votos a favor do Chega do Bloco de Esquerda.

Não quero ser herói durante uma semana, e não quero, se eu cair em serviço, um funeral com bandas, políticos manhosos, bandeiras ou medalhas. Não quero agradecimentos de circunstância, somente porque é bonito momento.

Quero saber que um dia, se eu cair em serviço, o meu filho e a minha mulher não ficarão desamparados; quero que o meu sacrifício, não seja levado pelo vento; apenas quero ter a merecida dignidade que os políticos apregoam que eu tenho, mas depois não ma concedem…. Coisas simples de se pedir e se calhar de se ter, desde que haja vontade por parte dos manhosos que tudo apregoam, mas depois nada muda.

Sou bombeiro…

 

Augusto Falcão

 

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