Início » Tag Archives: Luís Granjo

Tag Archives: Luís Granjo

Artigo de opinião-O FUTEBOL NÃO É PARA TODOS de Luís Granjo

Vivem-se dias de grandes mudanças e o fenómeno desportivo, sendo ele cada vez mais partilhado e opinado, está sujeito ao crivo do “na minha opinião”.
Sou professor de Educação Física desde o ano longínquo de 2000 e treinador de futebol desde então. Estive ligado ao treino de jovens entre 2000 e 2007, desliguei pela exigência geográfica da profissão docente, e regressei na época transata. É assustador o estado em que está o contexto desportivo, neste caso, o futebol formação.
Fui técnico de natação durante 16 anos, os pais pagavam uma mensalidade em troca de 4 aulas mensais e nunca fui questionado por nenhum pai/mãe o porquê de o filho(a) executar mal a fase subaquática da técnica simultânea bruços…….porque não percebiam nada do ensino da natação, e muito menos das componentes críticas da técnica de bruços.
Fui, e sou, professor/treinador do Desporto Escolar em escolas públicas, e nunca os pais reclamaram se o seu filho(a) joga ou não joga, se aprende ou não aprende, até porque o Desporto Escolar é de acesso facultativo, e resulta de um forte investimento do ministério da educação e do desporto, é gratuito!!!!
O Futebol? O Futebol não é para todos.
Os pais aderem ao futebol formação pelo escalão de petizes, crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 6 anos. A justificação é transversal, “ele(a) gosta e isso é que importa”. Certo, mas com o passar dos anos nasce, na sua grande maioria, a síndrome de “pai/mãe do Messi”, estes pais que se esqueceram do “ele gosta e isso é que importa” e agora já encarnam no espírito “na minha opinião o meu filho isto, o filho do outro aquilo, o treinador não percebe nada disto e o clube não vale nada.”
Vamos por partes.
Os clubes que conseguem mobilizar pessoas e treinadores para o contexto da formação são heroicos no desempenho dos seus propósitos, embora nem todos sejam capazes de incutir os valores do desporto e do desporto coletivo, todos realizam uma ação social de enorme relevância, a prática de exercício físico regular.
O Treinador é um ser humano, dotado de especificidades pessoais, sociais e comportamentais, e capacitado de formação técnica para poder estar no contexto desportivo. Para conhecimento dos mais distraídos, o Curso de Treinador de Futebol nível 1, no mínimo, e um comprovativo do estado Português em como é Treinador de Futebol, a cédula de Treinador, paga pelo Treinador, e sustentada por formação contínua a cada 5 anos, paga pelo Treinador.
O futebol formação paga pouco, ou quase nada, para as horas que um Treinador despende para acompanhar um grupo de 20 atletas, que no final da semana rondam as 8h a 10h. A mensalidade paga pelos pais varia entre os 15 e os 20 euros mensais, que divididos pelos 3 treinos semanais, durante 4 semanas, resulta em cerca de 12 treinos, qualquer coisa como 1,5 a 2 euros por treino. Se um treinador fosse pago, pelo menos 10 euros à hora, no final do mês dava um bom “pé de meia”, mas tal não acontece, sendo o valor pago entre os 6 a 10 euros por treino.
Se há alguém que está neste contexto por gosto, é o TREINADOR.
Digo, e repito, que o Futebol não é para todos.
Pagar para jogar Futebol não significa que as crianças tenham competências para jogar futebol, seria o mesmo que pagar para aprender tocar piano e todos os fins de semanas haver concerto público, aos olhos de todos, mesmo aos de quem nada percebem de piano. O privilégio de pertencer a um grupo, o gosto pela modalidade em causa, a partilha de momentos em equipa, o trabalho diário, as vitórias e as derrotas são uma enciclopédia de vivências que permitem, através do contexto desportivo, formar a melhor pessoa possível. Jogar é, e será sempre, para os que, com a suas capacidades inatas, com as suas aprendizagens, pelo seu empenho nos treinos, e pelo seu respeito pelos demais, se encontra preparado fisicamente, tecnicamente, taticamente e psicologicamente para assumir a responsabilidade de representar o clube e a equipa.
O contexto é claro, os pais assumem que querem enriquecer a formação dos seus filhos através das competências de um DESPORTO COLETIVO, em que os valores da amizade, entreajuda, união, respeito e espírito de equipa estão acima de qualquer sucesso individual ou desportivo.
O Futebol não é para todos os que assumem comportamentos individuais, os que se acham acima da equipa ou clube, e os que não respeitam os valores do DESPORTO COLETIVO. Este é um dos principais trabalhos do treinador de formação, fazer perceber que todos são diferentes, todos têm caraterísticas únicas, e que todos são importantes, independentemente se têm capacidade desportiva para jogar, ou para jogar mais ou menos tempo que os colegas. Quem forma sabe que no futuro destes jovens existirá sempre seleção, quer pelas competências socias, quer pelas profissionais. O maior engano é, e será, balizar todos por igual, só porque pagam a mesma mensalidade………ERRO CRASSO.
Gosto de ver documentários sobre as grandes lendas do desporto, e a grande maioria surge das dificuldades, de um contexto desfavorável que permitiu criar comportamentos favoráveis ao desenvolvimento de grandes atletas. A frase “Tempos difíceis criam pessoas fortes, e tempo fáceis criam pessoas fracas” assenta que nem uma luva nesta geração de “meninos de colo”, em que os pais, ao invés de encorajarem, estimularem e motivarem, assumem o papel de clube, treinador e pai para tentar criar o contexto mais confortável para os seus filhos.
Recentemente, numa das muitas reuniões técnicas do clube (horas despendidas para reorganizar e organizar as funções do quadro técnico), o coordenador técnico utilizou uma expressão que resolve este contexto turbulento, “SE OS PAIS FOREM PAIS, SE OS ATLETAS FOREM ATLETAS E O TREINADOR FOR TREINADOR, O SUCESSO ESTÁ GARANTIDO.”
Fácil!
O Futebol não é para todos.
Os meus filhos são atletas do clube que treino, e em ambos os casos só tenho a agradecer a quem perdeu muito do seu tempo para os acompanhar, talvez o respeito que tive, e tenho, por eles, seja capaz de incutir nos meus filhos o valor do respeito por quem nos ajuda. O valor que pago é insignificante para a riqueza de vivências que eles ali adquirem.
O meu filho mais velho não tem muitas competências técnicas, e por consequências táticas, porque iniciou o seu percurso no futebol formação aos 10 anos de idade. O futebol, em 2 anos, já lhe deu mais do que eu, e ele, podíamos imaginar. As amizades, a prática regular de exercício físico e o respeito pela cultura coletiva permitem-me, como seu pai, perceber que dinheiro algum pagaria esta riqueza cultural do desporto, e nos dias de hoje, orgulhosamente lhe digo que estou muito orgulhoso dele.
As associações de futebol permitem a todos os interessados a obtenção da qualificação técnica para Treinador de Futebol, o ensino superior permite a todos os que têm essa ambição, a possibilidade de trabalhar com crianças, e a boa vontade permite a todos os interessados AJUDAR, porque mobilizar jovens, formar jovens e preparar jovens para a vida só está ao alcance de alguns, principalmente para os que suportam a ignorância dos que acham que estatutos sociais e económicos resolvem todos os problemas, que “treinadores de bancada” percebem das componentes críticas dos gestos técnicos da modalidade e da sua organização tática, que as regras de suas casas devem ser as do clube, e acima de tudo, dos que se esquecem que os seus filhos “gostam e isso é que importa”.
O Futebol não é para todos.

Ler Mais »