DISTINGUIR A VERDADE DA APARÊNCIA
No texto do evangelista Marcos, proclamado neste Domingo, é dito que Jesus, exercendo o seu ministério em Jerusalém, pouco antes da paixão, elogia uma pobre viúva e dirige palavras duras aos escribas, condenando a sua hipocrisia. Deus coloca-se sempre do lado dos pobres e dos fracos (primeira leitura e evangelho) e, assim, revela que a salvação, operada por Cristo, não faz acepção de pessoas, é para todos os que esperam o momento para O receber (segunda leitura). A nossa resposta apropriada é de louvor e de acção de graças (salmo).
Podemos ter a tentação de pensar que o fio condutor das leituras deste Domingo é a viuvez. Mas, aprofundando um pouco mais a nossa reflexão, iremos encontrar algo mais agradável. Na carta aos Hebreus, é dito que depois da morte decorrerá o julgamento. O juízo final não é algo estranho na pregação de Jesus; recordemos a parábola do trigo e do joio. E o texto evangélico deste domingo parece que está fora do contexto. Pois, mas estas leituras não se referem ao juízo, mas ao juiz.
A primeira leitura, com o episódio da viúva de Sarepta, recorda-nos que Deus é sempre fiel à sua palavra, aconteça o que acontecer. A viúva estava convicta de que, esgotados todos os seus recursos, iria morrer com o seu filho. Tinha perdido a esperança, já não havia nada a fazer. Todavia, contra todos os prognósticos, Deus entra em acção e não nos abandona.
O nosso Deus não é um juiz gélido e indiferente, que tudo julga sem ter em conta as dificuldades da vida. De facto, o salmista convida a louvar a Deus, porque o nosso juiz não concede o mesmo a todos, mas segundo a necessidade de cada um: aos famintos, o pão; aos cativos, a liberdade; aos órfãos e às viúvas, amparo. No entardecer da vida, quem nos irá julgar não se irá deter no exterior ou no poder, mas irá ler (ou seja, julgará) o que habita na profundidade do nosso coração.
Este é um aviso para aqueles que se esforçam por ter uma boa aparência exterior e escondem aos olhos do mundo o que, verdadeiramente, são. Gostam de se salientar diante dos outros, com as suas palavras e acções. É esta hipocrisia que Jesus denuncia nos escribas. Ela opõe-se à discrição de uma viúva pobre, a qual é elogiada por Jesus. O Mestre deseja que olhemos para mais além do espectáculo visível do mundo e quer conduzir-nos à revelação do invisível que actua num coração humilde, capaz de se desprender de tudo. Com a dor da morte do marido, a viúva do evangelho soube descobrir que só encontrava apoio em Deus. Por isso, ela, como todas as outras viúvas da Bíblia, é o símbolo, por excelência, da pobreza e do desprendimento. Contar somente com Deus é o que já mostrava o episodio do livro dos Reis: o Senhor recompensa a viúva de Sarepta que partilhou tudo o que tinha com o profeta Elias, convidando-o para sua casa (primeira leitura). Oferecendo a sua miséria, a viúva do evangelho revela onde está o verdadeiro tesouro: naquele que penetra o mais profundo do coração. Jesus convida-nos a alegria do abandono total a Deus: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus” (versículo do Aleluia).
Oferecendo-nos o seu Filho, Jesus Cristo, o Pai deu-nos tudo. Obedecendo ao Pai, Jesus entregou-se totalmente para nos salvar. Contemplando Cristo na cruz, podemos descobrir a nossa pobreza: a de um coração ferido pelo pecado que coloca toda a sua esperança no Senhor, seu Deus, que reina eternamente. Deus bem sabe as nossas fraquezas: invejas, ciúmes, murmurações, imprudências. Por isso, arrependamo-nos do mal cometido, “para que possamos livremente cumprir a vossa vontade”.
10-11-2024
paroquiasagb
Leitura Espiritual
«Ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha»
Vivo sem viver em mim; e minha esperança é tal, que morro de não morrer. Vivo já fora de mim desde que morro de amor; pois vivo no Senhor que me quis para Si. Quando Lhe dei o coração, nele inscreveu estas palavras: morro de não morrer. Ah! que triste é a vida que não se alegra no Senhor! E, se o amor é doce, não o é a longa espera; livra-me, meu Deus, desta carga, mais pesada que o ferro, pois morro de não morrer.
Vivo só da confiança de que um dia hei de morrer, pois pela morte é a vida que a esperança me promete. Morte em que se ganha a vida, não tardes, que te espero, pois, morro de não morrer. Vede como é forte o amor (Ct 8,6); ó vida, não me sobrecarregues! Vê o que apenas resta: para te ganhar, perder-te! (Lc 9,24) Venha ela, a doce morte! Que minha morte venha bem cedo, pois morro de não morrer.
Esta vida lá do alto, que é vida verdadeira, até que morra a cá de baixo enquanto se viver não se a tem. Ó morte, não te escondas! Que viva porque morro já, pois morro de não morrer. Ó vida, que posso eu dar a meu Deus, que vive em mim, senão perder-te, a ti, para merecer prová-lo! Desejo, morrendo, obtê-lo, pois tanto desejo o meu Amado que morro de não morrer. (Santa Teresa de Ávila, 1515-1582, carmelita descalça, doutora da Igreja, Poema «Vivo sem viver em mim»).