Antes do relato do evangelho deste Domingo, o autor sagrado narra o baptismo de Jesus Cristo no rio Jordão. Quando saiu da água, o Espírito Santo desceu sobre Ele e uma voz vinda do céu disse: “Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência”. É este Espírito de Deus que “impeliu Jesus para o deserto”. Antes de iniciar a sua vida pública e missão, Jesus passou quarenta dias no deserto. Realmente o deserto existe mesmo perto do rio Jordão, onde João baptizava. Os israelitas fizeram a travessia do deserto em quarenta anos antes de entrar na terra prometida. Mas o deserto é, sobretudo, um lugar simbólico. Muitos homens e mulheres fizeram grandes experiências no deserto. Antoine de Saint-Éxupery, que tinha conhecido bem o deserto do Sara, no seu livro “Carta a um Refém” escreveu que, no deserto, o homem é governado pelo espírito; e também disse: “O deserto não está onde nós pensamos que esteja. O Sara está mais vivo do que uma capital, e a cidade mais ruidosa do mundo está vazia se os polos essenciais da vida se desmagnetizarem”. O deserto é um lugar despido, onde não há distracções e te confrontas directamente contigo próprio e com Deus. Todavia é também um lugar de perigos, onde te podes sentir desprotegido e sem forças.
Estar no deserto foi a experiência de Jesus durante quarenta dias, mas também ao longo de toda a sua vida. No deserto Jesus encontra os aspectos fulcrais que irão orientar a sua missão. Colocando-se face a face com o Pai, descobre a forma de viver a sua filiação. Não será através do poder político, das riquezas e da admiração e do aplauso da opinião pública. No deserto Jesus deixa bem claro que vai ser Filho no serviço, na adoração e no amor sem fronteiras. A Quaresma pode ser um tempo de deserto. Nestes quarenta dias podemos criar o nosso próprio deserto, ou seja, um tempo em que o silêncio ocupe o lugar importante, a sós face a face com Deus. Dedicar uns minutos todos os dias a este exercício interior, deixando de lado tudo o que nos distrai e dispersa, lendo algum texto bíblico, o evangelho do dia, por exemplo, para iluminar a nossa vida, as nossas relações humanas, a nossa vida na sociedade. É importante rever a nossa vida à luz do Evangelho.
Viver o deserto na nossa vida leva a viver com esperança e, como Noé, a descobrir o arco-íris que aparece depois da tempestade: depois dos dias negros, do sofrimento, do desânimo, da dúvida…O arco-íris é sinal de paz, de vida, de luz e de confiança. Quando o vemos surgir no nosso coração sabemos que, apesar de tudo parecer tão escuro e incerto, há sempre uma luz, há e está Deus. A Quaresma é um tempo favorável para rever as nossas relações humanas no casal, na família, no trabalho, na escola, na cidade, vila ou aldeia. Será que vivemos estas relações com um espirito aberto, serviçal, acolhedor, próximo, reconciliador?
Na Vigília Pascal renovaremos as promessas do baptismo. Para que não se resuma a um simples rito e a umas palavras vazias, é preciso desde agora prepararmo-nos através de uma revisão. É aconselhável, de vez em quando, fazer uma revisão (check-up) à nossa saúde como também é importante fazer, ao menos uma vez ao ano, uma revisão interior. Uma revisão que nos possa ajudar a magnetizar os polos que se tenham desmagnetizado, esses mesmos polos que nos irão guiar e orientar. Jesus apoia-nos, ensinando-nos onde está o norte, ou seja, o caminho para o Pai. A Eucaristia é o sacramento da vida de Jesus, uma vida plena do Espírito de Deus, uma vida entregue e partilhada, uma vida na qual podemos encontrar forças para que nas nossas vidas o Espírito de Deus, o Espírito de Jesus, actue para que possamos dar luz e vida aos nossos irmão mais necessitados.
LEITURA ESPIRITUAL
Se, depois o baptismo, fores atacado pelo perseguidor, o tentador da luz, tens material para a vitória. Ele irá certamente atacar-te, já que também atacou o Verbo, o meu Deus, enganado pela aparência humana que lhe escondia a luz incriada. Não tenhas medo do combate. Opõe-lhe a água do baptismo, opõe-lhe o Espírito Santo no qual se extinguem todos os dardos inflamados lançados pelo maligno.
Se ele te mostrar as necessidades que te oprimem – e não deixou de o fazer com Jesus –, se te lembrar que tens fome, não dês a entender que ignoras as suas propostas. Ensina-lhe o que ele não sabe; opõe-lhe a Palavra de vida, esse verdadeiro Pão enviado do céu e que dá a vida ao mundo.
Se ele te estender a armadilha da vaidade – e usou-a contra Cristo, quando O levou ao pináculo do Templo e Lhe disse: «Deita-Te daqui abaixo», para O fazer manifestar a sua divindade –, toma cuidado para não caíres por teres querido elevar-te.
Se te tentar pela ambição, mostrando-te, numa visão instantânea, todos os reinos da terra submetidos ao seu poder, e te exigir que o adores, despreza-o: ele não é mais que um pobre irmão teu. E diz-lhe, confiando no selo divino: «Também eu sou imagem de Deus; ainda não fui, como tu, precipitado do alto da minha glória por causa do meu orgulho! Estou revestido de Cristo; tornei-me outro Cristo pelo meu baptismo; cabe-te a ti adorares-me.» Tenho a certeza que ele se irá embora, vencido e humilhado por estas palavras. Vindas de um homem iluminado por Cristo, serão sentidas por ele como se emanadas de Cristo, a luz suprema. Estes são os benefícios que a água do baptismo traz aos que reconhecem a sua força. (São Gregório de Nazianzo, 330-390, bispo, doutor da Igreja, Sermão XL, 10)
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Ano B - Tempo da Quaresma - 1º Domingo - Boletim Dominical II