Nesta caminhada para a Páscoa, as leituras bíblicas deste Domingo falam-nos de uma outra caminhada: aquela que o povo de Israel teve de percorrer para conseguir a liberdade. Os israelitas queriam ficar livres da escravidão dos egípcios, uma escravidão exterior, uma escravidão não desejada, sofrida. Mas na travessia do deserto, uma vez libertados desta escravidão, conduzidos por Moisés, descobrem novas escravidões, mas desta vez são mais interiores e, de alguma maneira, queridas e desejadas. Vivendo a sua liberdade, caem em novas escravidões mais subtis: a escravidão da riqueza, da cobiça e do ódio ao irmão. O decálogo, os dez mandamentos, começam por recordar que Deus os libertou da escravidão do Egipto. Deus faz uma proposta de vida que lhes permite gozar desta liberdade sem cair em outras escravidões. O primeiro mandamento afirma que somente se deve adorar a Deus e amá-Lo sobre todas as coisas. Nada de divinizar realidades humanas, ou coisas materiais, nem sequer o dinheiro, nem o bem- estar material, nem o poder sobre os outros. Quando endeusamos todas estas realidades convertemo-nos em seus escravos. Como conservamos a nossa liberdade? Respeitando e amando os outros na nossa vida.
É neste contexto que Jesus entra no Templo de Jerusalém e purifica-o. Aquele sítio tinha-se convertido num ídolo, numa “casa de comércio”, deixando de ser um sinal da presença de Deus. Com esta purificação, e com toda a sua vida, Jesus revela que, a partir da sua humanidade, Deus torna-se presente. E isto acontece porquê? Ele viveu numa atitude de serviço, de acolhimento, de proximidade aos débeis, de perdão, de solidariedade, de amor. É somente com esta maneira de viver que Deus se torna presente. As mesquitas, as sinagogas, os templos budistas e as igrejas nunca serão lugares da presença de Deus se não forem lugares onde se ajuda a crescer na humanidade. Quantas vezes estes lugares religiosos foram lugares de ausência de Deus porque lhes faltou humanidade!
O critério de verificação desta presença de Deus não se encontra na beleza, nem no incenso, nem na sumptuosidade, nem nos cânticos bem cantados, nem em palavras muito complicadas e numa linguagem erudita. O critério de verificação encontra-se no facto de que aqueles que se reúnam nesses lugares religiosos cresçam em humanidade com o que lá se diz e se faz. Caso contrário, se Jesus entrasse nesses lugares, voltaria a fazer o que fez no Templo de Jerusalém, aquele Templo do qual os judeus se sentiam tão orgulhosos pela sua grandiosidade, pelas suas colunas, pelo seu ouro.
Neste tempo da Quaresma, deixemos entrar Jesus no nosso coração, na nossa vida, para que também nos purifique, nos limpe, expulse os nossos ídolos, tudo o que nos impede de amar e que nos escraviza, tudo aquilo que nos afasta de Deus, de Jesus, de um Deus que é “escândalo para os judeus e loucura para os gentios”; e que também pode ser um absurdo ou um escândalo para nós quando nos convida a falar menos e a agir mais em favor dos seus preferidos: os pobres, os refugiados, os sem-abrigo, os doentes, os que vivem na solidão e no desespero, os que perderam o trabalho, os que sofrem violência e os que morrem por causa das suas convicções ou crenças. Todos estes são, hoje, a encarnação do Messias crucificado, escândalo para uns e loucura para outros. Ao celebrarmos a Eucaristia, oxalá Jesus encontre em cada um de nós, homens e mulheres, a abertura e a vontade de crescer na humanidade.
Elo de Comunhão 07-03-2021LEITURA ESPIRITUAL
«Destruí este templo e em três dias Eu o levantarei!». Tanto um como outro, tanto o templo como o corpo de Jesus, são, a meu ver, símbolos da Igreja. O templo será restaurado e o corpo ressuscitará ao terceiro dia. Porque ao terceiro dia surgirá um novo céu e uma nova terra (2Ped 3,13), quando os ossos ressequidos, quer dizer, toda a casa de Israel (Ez 37,11), voltarem a ser revestidos no grande dia do Senhor, e a morte for vencida.
Da mesma maneira que o corpo de Jesus, sujeito à condição humana vulnerável, foi pregado na cruz e sepultado, e depois foi novamente erguido, assim também o corpo total dos fiéis foi «crucificado com Cristo» e agora «já não é ele que vive» (Gal 2,19). Com efeito, tal como Paulo, nenhum dos fiéis se gloria de nada senão da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, que fez de cada um deles um crucificado para o mundo e do mundo um crucificado para ele (Gal 6,14). «Porque nós fomos sepultados com Cristo» diz Paulo; e acrescenta, como se tivesse recebido um penhor de ressurreição: «Ressuscitaremos com Ele» (Rom 6,4-9). Todos nós temos, pois, uma vida nova, mas que ainda não é a ressurreição bem-aventurada e perfeita. Quem é hoje sepultado, um dia ressuscitará. (Orígenes, c. 185-253, presbítero, teólogo, Comentário sobre São João 10,20).
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Ano B - Tempo da Quaresma - 3º Domingo - Boletim Dominical II
Ano B - Tempo da Quaresma - 3º Domingo - Boletim Dominical II