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Artigos de Opinião

Artigo de Opinião de Luís Miguel Condeço—Festa de Portugal

Penso que será unânime, considerarmos o dia 10 de junho (de há 445 anos) como o dia do desaparecimento de um autor genial da língua portuguesa – Luís Vaz de Camões. Porque será importante este marco? Porque de forma incessante nos incutem desde a pequenez, o gosto pelos versos decassílabos combinados em oitavas d’Os Lusíadas? Talvez!

Todos os povos têm os seus dias grandes, e para nós portugueses, é o 10 de junho, que mais do que um feriado, é um espelho da alma nacional, que celebra a história, a cultura e a identidade lusitana. Dia que nasce em torno da figura do poeta Camões, que hoje nos abraça, dentro e fora de fronteiras, ou “além da Taprobana”.

A celebração do Dia de Portugal, está intimamente ligada ao Poeta, e à presumível data da sua morte (1580), já que três séculos depois, e sob o impulso do rei D. Luís I, por forma a evocar o tricentenário da sua morte, esta data começa a ser celebrada como festa nacional.

A difícil situação económica e política do país no final do século XIX e início do século XX, e o regicídio (1908) e a implantação da república em 1910, retiraram à data o seu cariz oficial (mas o espírito patriótico manteve-se). Em 25 de maio de 1925, há 100 anos, era publicada no “Diário do Gôverno” por ordem da “Presidência do Ministério”, a Lei n.º 1.783 que considera “nacional a Festa de Portugal, que se celebrará no dia 10 de junho de cada ano”, reforçando o elo entre o génio de Camões e o espírito do povo português.

Durante o regime ditatorial do Estado Novo, a comemoração do dia nacional ganhou nova dimensão, transformando-se o lema do dia num poderoso instrumento de propaganda do regime – “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”. E exemplo disso, foi a inauguração do Estádio Nacional (1944), palco de cerimónias grandiosas que exaltavam a ideia de um Portugal uno, heroico e eterno, mesmo quando, do outro lado do mar, as guerras coloniais começavam a abalar esse ideal.

Comemorar Camões, Portugal e a “raça” era, afinal, celebrar uma visão estática e imperial da nação, tornando-se as Forças Armadas presença constante nas cerimónias, sobretudo a partir de 1963, reforçando o imaginário de resistência e missão civilizadora, embora escondendo uma triste realidade nacional, com um país desigual, reprimido e isolado.

Com o 25 de abril de 1974, Portugal democratizou-se, repensou-se e abriu-se ao mundo, assumindo este dia comemorativo em 1978 a designação oficial que hoje conhecemos – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Reconhecer os milhões de portugueses espalhados pelo mundo, que partiram em busca de melhores condições de vida, é reconhecer que Portugal não é só território: é sentimento, é língua, é memória viva que atravessa continentes. A pátria passou a ser também a diáspora.

Hoje, o 10 de junho é itinerante. Nos últimos anos, uma cidade portuguesa e/ou uma comunidade portuguesa no estrangeiro acolhem as celebrações presididas pelo Presidente da República. É um belo modo de aproximar os órgãos de soberania aos cidadãos, e de dar voz à diversidade do país, refletindo sobre quem somos.

De há cem anos para cá, Portugal atravessou convulsões políticas, mudanças económicas e grandes transformações sociais. Evoluímos de um país agrário e fechado a uma nação democrática, europeia, com uma economia moderna e um sistema de direitos consolidado (educação, saúde, cultura, ciência).

Camões continua presente, não apenas nas estátuas ou nos manuais escolares, mas na força da língua portuguesa, que hoje une mais de 260 milhões de pessoas em todo o mundo (quarto idioma mais falado). E as comunidades portuguesas, tantas vezes esquecidas, são hoje reconhecidas como parte essencial do nosso tecido identitário.

Entre o passado e o futuro, é o momento para honrarmos quem nos trouxe até aqui, heróis épicos ou trabalhadores anónimos, e pensarmos que país queremos construir. Mais justo, mais coeso, mais plural.

Num tempo de incertezas e transformações globais, Portugal não é apenas um lugar: é um projeto comum. E, nesse projeto, há espaço para todos.

Viva Portugal, viva Camões e vivam as Comunidade Portuguesas.

Autor

Luís Miguel Condeço

Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu

Artigo de Vítor Santos—A exigência da ética no desporto

“Violência, Racismo e Fair Play no Futebol Juvenil Português: Influência do comportamento dos pais no comportamento e empenho dos jovens atletas do futebol juvenil português” é o título do trabalho de investigação de Renato Batista de Freitas em colaboração com a Associação de Futebol de Viseu (AFV).

Apresentado e defendido na The Hague University of Applied Sciences (Países Baixos), retrata as repercussões dos comportamentos no futebol português, nomeadamente no futebol de formação. A questão que se coloca é perceber de que forma o comportamento dos pais influencia a atitude e o comportamento dos jovens atletas, bem como o seu empenho no futebol em Portugal.

Para responder a esta questão, o autor traça três objetivos: compreender o tipo de comportamento que os pais têm durante os jogos de futebol dos filhos, compreender como o comportamento parental no futebol afeta a atitude e o comportamento do atleta e compreender como o comportamento parental no futebol afeta o empenho do atleta no desporto.

Neste trabalho, o autor salienta que “quando se discute o desporto juvenil, é preciso ter em mente que estes atletas fazem parte das futuras gerações de adultos. Por conseguinte, as estratégias que abordem tais questões sociais nestas idades só poderão alcançar os seus resultados plenos a longo prazo. Além disso, estas estratégias não têm de ter como alvo apenas os atletas, mas também os seus pais e outros adultos presentes nestes eventos desportivos. Ao focar o segmento jovem do desporto, pode-se alcançar uma parte do segmento adulto do país (para objetivos de curto prazo), bem como os mais jovens (para objetivos de longo prazo).”

Foram inquiridos quase 400 atletas entre os 12 e os 21 anos e destaco nos resultados que mais de 52% dos pais já insultaram os adversários e 535 dos pais demonstram fair play às vezes, nem sempre, segundo a opinião dos próprios filhos. Os atletas responderam, ainda, que o seu próprio comportamento é superior ao do progenitor.

Em resposta à questão inicial, Renato Batista de Freitas conclui que “o comportamento dos pais influencia a atitude e o comportamento dos jovens atletas, bem como o seu compromisso com a prática desportiva. Os pais são uma parte importante do desenvolvimento do atleta e não devem, nem podem, ser desconsiderados. Reforçar o comportamento positivo e destacar as consequências nefastas do comportamento negativo pode contribuir muito para o desenvolvimento dos atletas, principalmente dos menos experientes”, afirma.

A Federação Portuguesa de Futebol tem realizado campanhas com este intuito e a própria AFV segue o seu exemplo, retirando resultados e classificações até determinados escalões etários e organizando semanalmente torneios de traquinas e petizes que são encontros com uma vertente quase lúdica. O resultado destas iniciativas ainda está por vir, mas de certeza colherá frutos. Outras terão de continuar a realizar-se.

Neste trabalho, Renato Batista de Freitas realça a importância do espírito desportivo e do fair play no futebol juvenil. A exigência da ética no desporto. Com esta temos justiça, integridade, responsabilidade e respeito, que são valores que valem para o desporto e para a vida.

Por fim, o autor chama a atenção para a inação e a indiferença perante os comportamentos abusivos, já que “não fazer nada também pode ter uma influência negativa. Os pais devem estar cientes disto para evitar que aconteça.”

Parabéns ao Renato Batista de Freitas e à AFV pela realização desta investigação académica e científica. Trata-se de uma excelente base de trabalho no combate à violência no desporto de formação e um incentivo à ética e ao fair play na prática desportiva.

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Batista de Freitas, R., Violence, Racism and Fair Play in Portuguese Youth Football Universidade de Ciências Aplicadas de Haia, 2020.

Vitor Santos

Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto

Artigo de Luís Miguel Condeço—–Candeia que vai à frente…

Há ditados populares que carregam verdades intemporais.

Apesar do gradual desaparecimento daquela luminária, que queimava lentamente as gorduras (como o azeite) e os hidrocarbonetos (como o petróleo), através da mecha, e que de uma forma geral o povo entendia que à frente alumiava duas vezes, lembra-nos do poder transformador de quem guia o caminho, iluminando não só a sua própria rota, mas também a de quem vem atrás. Esta visão luminosa, deve convidar todos a refletir sobre liderança, progresso e esperança, uma vez que vivemos “uma mudança de época” (como diria o Papa Francisco) política, religiosa e social.

Neste mês de maio, esta visão ganha um significado especial ao recordar o nascimento de Florence Nightingale. Esta mulher de sangue inglês, viu pela primeira vez a luz em Florença, no dia 12 de maio de 1820, sendo reconhecida anos mais tarde como a fundadora da enfermagem moderna. Embora passados mais de cento e cinquenta anos do choque bélico que a tornou célebre – a Guerra da Crimeia (já no século XIX em conflito armado), ainda hoje lhe reconhecemos a coragem e dedicação com que, cuidou de soldados feridos em condições precárias. Também ela munida de uma candeia, com a qual vigiada os doentes durante as noites, aliviando-lhes o sofrimento e a solidão.

O legado de Nightingale mudou para sempre a forma como vemos a enfermagem e a prestação de cuidados de saúde, transformando a prática de enfermagem numa atividade profissional, assente no conhecimento científico, com uma metodologia científica e voltada para a investigação, abandonando de vez, o cariz não profissional. A ênfase que colocou na higiene, na organização hospitalar e na formação de enfermeiras salvou inúmeras vidas e estabeleceu padrões seguidos até hoje. Não admira que, o dia do seu nascimento (12 de maio), tenha sido o escolhido para instituir o Dia Internacional do Enfermeiro, em sua homenagem, evocando o valor destes profissionais.

O Dia Internacional do Enfermeiro é uma oportunidade para valorizarmos quem, tal como Nightingale, se dedica ao cuidado do próximo. Em hospitais, centros de saúde e unidades de saúde familiares, lares e unidades de cuidados continuados, ou em muitos outros, os enfermeiros são candeias que iluminam “caminhos” difíceis, mesclando competências técnicas, relacionais, instrumentais, comunicacionais, científicas, e acima de tudo – humanas. É justo destacar o papel vital que desempenham nas nossas comunidades: estão na linha da frente do cuidado, desde a maior das instituições até ao mais pequeno dos serviços. Ao assinalarmos este dia, reforçamos a gratidão e o respeito por quem cuida, inspirando-nos no seu exemplo.

Mas a luz que guia não se limita à saúde. Também na esfera cívica e política precisamos de candeias que vão à frente, apontando caminhos de futuro. Portugal vive mudanças políticas significativas, com eleições legislativas que nos trará mais um ciclo governativo. Após momentos de incerteza, os portugueses irão às urnas e demonstrarão a vitalidade da nossa democracia. A forte participação e a serenidade do ato eleitoral foram sinais de maturidade, que passados cinquenta anos de voto livre (25 de abril de 1975), devem manter a chama da liberdade acesa, possibilitando ao povo escolher de forma pacífica e consciente.

Com uma nova legislatura, renova-se a esperança de que o país possa enfrentar os desafios com energia redobrada. Independentemente das cores partidárias, espera-se que prevaleça o compromisso com o bem comum. Apesar dos gigantescos desafios na saúde, educação e economia, há sempre a oportunidade de fazer melhor. As nossas populações anseiam pela promoção do desenvolvimento económico e social, e pela valorização dos serviços essenciais à comunidade.

Da enfermagem à governação, a lição é clara: a liderança pelo exemplo tem um efeito multiplicador. Florence Nightingale, com a sua “candeia”, iluminou mais do que os corredores de um hospital de campanha – abriu caminho para a dignificação do cuidar e para o desenvolvimento da saúde pública. Do mesmo modo, cada candeia que assume a dianteira – seja um enfermeiro proficiente, seja um governante comprometido – pode iluminar o porvir de todos.

“Candeia que vai à frente alumia duas vezes”: cada passo pioneiro beneficia tanto quem o dá como toda a comunidade que o segue. O futuro constrói-se com a confiança de quem leva a candeia e a determinação de quem segue essa luz.

Autor:

Luís Miguel Condeço

Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu

Artigo de opinião de Augusto Falcão—- A esperança de um dia seguinte melhor

Hoje, quando vos escrevo isto, é 25 de abril; dia da nossa liberdade, da nossa revolução, dos cravos; faz hoje 51 anos que alguns, poucos militares conquistaram a nossa liberdade, o fim da ditadura, o início da passagem à Democracia; o fim da guerra colonial, que tantos jovens portugueses levou a fugirem, a tombarem ou a ficarem estropiados pelo ideal “Deus, Pátria, família” que Salazar perpetuou durante a sua ditadura, foi o fim da repressão da PIDE-DGS; a libertação dos presos políticos; um turbilhão de mudanças anunciava-se na aurora daquele dia já longínquo, mas que todos nós relembramos ano após ano, a passamos esta memória aos nossos filhos e esperamos que eles a passem às gerações vindouras, para que eles nunca se esqueçam que a liberdade é algo que nunca é garantida, portanto devemos todos os dias, lutar para a manter entre nós;

O meu filho, já nasceu no século 21, portanto filho pleno da liberdade, e a consciência que tem da liberdade, do 25 de abril, dos cravos, do “Grândola, vila morena”, de Salgueiro Maia, é aquela que eu, lhe irei passar.

Eu, por outro lado, nasci 2 anos após a Revolução; o meu Pai, ainda esteve no Ultramar, assim como outros familiares meus; aquele a quem a gente carinhosamente chamava de “padrinho” esteve em Peniche quase 1 ano (nem o filho viu nascer) por ser membro do PCP; cresci a ouvir as histórias de Salazar, da fome, da miséria, da guerra colonial, e algumas (poucas) passagens das celas e corredores de Peniche; aquele Homem, não falava muito disso; era conversa de almoços de família, quando nos juntávamos em que as lembranças daqueles dias tristes e cinzentos vinham ao de cima; e eu cresci a ouvir isto; o preço da liberdade, o quanto custou a luta contra a ditadura, e todos aqueles que tendo sido presos, por professar um ideal politico diferente, foram mortos, torturados e ficado com mazelas para o resto da vida, nos calabouços da PIDE.

O povo, esse na manhã do 25 de abril, ao aperceber-se que algo estava em marcha, foi perdendo o medo aos poucos, e saiu às ruas a apoiar os militares que aos poucos fizeram cair o regime, que Marcelo Caetano teimava em manter inalterado;

Havia esperança que a partir dali tudo seria diferente; que tudo seria melhor, que nós, coletivo e povo, iriamos ter a partir daquele momento, uma nova oportunidade de construir um País melhor, para eles e para os vindouros; o povo votou pela primeira vez, de forma livre, depois do 25 de abril; com a esperança, que aquele momento fosse o momento da libertação total, e que o caminho de construção de algo melhor tivesse início; todos eles tinham a esperança que o dia seguinte fosse melhor;

Passou-se 51 anos; e todos mantemos esse mesmo sonho; construir algo melhor para as gerações vindouras;

E todos temos a mesma esperança; que o dia seguinte seja melhor; foi essa esperança que os nossos avós nos passaram e deixaram; ousemos, pelo menos ser iguais; deixarmos aos nossos filhos essa mesma esperança; que o dia seguinte seja melhor.

Augusto Falcão

Artigo opinião-Pedro Prata- A falsa ressurreição do lobo terrível — e o que deveríamos realmente estar a discutir

Foi com algum espanto que vi as manchetes nos últimos dias;O lobo terrível está de volta.  A empresa Colossal Biosciences anunciou ter criado uma versão geneticamente
modificada desta espécie extinta há cerca de 10 mil anos. O que se apresenta como um triunfo da ciência moderna é, na verdade, uma ilusão cuidadosamente embrulhada
em marketing.

Aquilo que foi criado não é um lobo terrível; — é um animal geneticamente modificado que partilha parte do seu ADN com a espécie extinta, mas que não é nem
comportamental, nem ecologicamente equivalente ao original. Estes animais nasceram para viver em cativeiro, privados de uma cultura que é essencial em espécies sociais
como os lobos. Os lobos transmitem comportamentos de geração em geração, através da aprendizagem social dentro dos grupos familiares. Sem esse tecido cultural, não
estamos a trazer de volta nada — estamos a criar novos animais para uma vida sem liberdade.

Dito isto, não podemos ignorar que este espetáculo biotecnológico; conseguiu algo que raramente acontece: fez com que se falasse de extinção. E precisamos desesperadamente de falar sobre isso.

Vivemos uma crise de extinção global sem precedentes desde o desaparecimento dos dinossauros. Espécies de fauna, flora e funga estão a desaparecer a um ritmo centenas de vezes superior ao normal. Perder uma espécie não é apenas um fenómeno científico — é a erosão irreversível de relações ecológicas, de histórias evolutivas, de patrimónios culturais e naturais. É o desaparecimento de possibilidades futuras.

Por isso, se este lobo terrível criado em laboratório nos obriga a refletir sobre o desaparecimento de espécies, então que assim seja. Mas que essa reflexão não se esgote na excitação de um título chamativo. Que nos leve a questionar: o que estamos dispostos a fazer hoje para que não precisemos de laboratórios para salvar as espécies
do amanhã?

A própria Colossal está envolvida em projetos com verdadeiro mérito, como os esforços para preservar o rinoceronte-branco-do-norte — uma espécie funcionalmente extinta
ou para recuperar o pombo-passageiro e o tigre-da-Tasmânia, ambos com ecologias insubstituíveis. Nestes casos, a tecnologia pode ter um papel importante, sobretudo
quando aliada a estratégias de conservação in situ e a comunidades locais.

Mas há casos em que ainda vamos a tempo — e Portugal é um deles.

O lobo-ibérico, uma subespécie única e emblemática da nossa fauna, continua em declínio. A sua presença a sul do Douro está por um fio. E, ao contrário do lobo terrível,
o lobo-ibérico ainda está entre nós. Ainda há tempo de agir. Mas é preciso vontade política, medidas de conservação eficazes e um compromisso sério com a coexistência
entre comunidades humanas e este predador extraordinário.

Na Rewilding Portugal, trabalhamos para criar essas condições. Queremos garantir que o lobo-ibérico continue a desempenhar o seu papel ecológico, como regulador de
ecossistemas e símbolo de uma natureza selvagem que ainda é possível.

Esperamos sinceramente que, daqui a algumas décadas, não tenhamos de contar com empresas como a Colossal para reconstruir, em laboratório, aquilo que poderíamos ter
protegido no terreno.

por Pedro Prata, Team Leader da Rewilding Portugal

Artigo de opinião de Luís Miguel Condeço— O valor da saúde

Foi durante a criação da Organização das Nações Unidas, cedo se percebeu a necessidade de instituir um organismo internacional responsável pela saúde. De tal forma que, rapidamente o Comité Técnico nomeado pelo primeiro Secretário-Geral da ONU, o norueguês Trygve Halvdan Lie, elaborou e apresentou propostas para uma constituição, à Conferência Internacional da Saúde, que seria aprovada no ano de 1946 por 51 países membros e 10 países não membros.

Esperando cerca de dois anos pela ratificação de 26 dos países fundadores, a Constituição da Organização Mundial da Saúde entra em vigor no dia 7 de abril de 1948, sendo a data consensual para a fundação da organização.

E foi ao sétimo dia do mês de abril, em 1950, que se comemorou o primeiro Dia Mundial da Saúde, para apoiar e consciencializar prioridades à época como a malária, a saúde das mulheres e crianças, a tuberculose, as infeções sexualmente transmissíveis, a nutrição e a saúde ambiental. Com o passar dos anos, o trabalho da OMS ampliou-se para fazer face aos problemas de saúde que não eram sequer conhecidos em 1948, como as “novas” doenças – vírus da imunodeficiência humana, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), ou o coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV-2).

Passados 75 anos da evocação deste dia, a OMS continua a destacar a importância da saúde materna e neonatal como pilares fundamentais para sociedades mais sustentáveis, prósperas e justas. No entanto, sabemos que a cada ano, aproximadamente 300 mil mulheres perdem a vida devido a complicações relacionadas com a gravidez ou o parto. E mais de 2 milhões de Recém-nascidos morrem no primeiro mês de vida, e outros milhões nascem sem ela. A cada 7 segundos contabilizamos uma morte, que poderia ser evitável.​

Os países enfrentam desafios significativos para alcançar as metas globais de sobrevivência materna até 2030, e 80% deles não conseguirão cumprir os objetivos estabelecidos. Este cenário sublinha a necessidade urgente de implementar estratégias eficazes que garantam a sobrevivência e o bem-estar de mães e recém-nascidos.​

É essencial garantir que todas as mulheres tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade antes, durante e após o parto. E que não devem abranger apenas as complicações obstétricas, mas também as questões relativas à saúde mental, doenças não transmissíveis e planeamento familiar. Uma gravidez saudável e um parto seguro contribuem significativamente para a construção de comunidades mais saudáveis e resilientes, assegurando um futuro pleno de esperança para todos.

Em Portugal, o Dia Mundial da Saúde é uma oportunidade para reforçar as políticas e programas dedicados à saúde materna e neonatal. Iniciativas que promovem o acompanhamento pré-natal, o acesso a partos assistidos por profissionais qualificados e o apoio pós-parto são essenciais para reduzir a mortalidade materna e infantil. Além disso, a educação para a saúde reprodutiva e a promoção de estilos de vida saudáveis desempenham um papel crucial na prevenção de complicações durante a gravidez e o parto.​

Este ano, a OMS convida-nos a refletir sobre os avanços alcançados e os desafios que persistem na área da saúde reprodutiva e infantil. É um momento para renovar compromissos, mobilizar recursos e fortalecer colaborações entre instituições governamentais, organizações não-governamentais, profissionais de saúde e comunidades. Podemos trabalhar juntos, para um futuro onde cada nascimento seja um momento de comemoração e cada criança tenha a oportunidade de crescer saudável e feliz.​

A participação ativa da sociedade civil é fundamental para o sucesso das iniciativas no âmbito da saúde materna e neonatal. Ao promovermos a consciencialização sobre a importância dos cuidados pré e pós-natais, incentivamos as mulheres a procurarem os serviços de saúde disponíveis e a adotarem práticas benéficas para a sua saúde e a dos seus bebés. Comunidades informadas e envolvidas são mais capazes de apoiar as mulheres durante a gravidez e o pós-parto, criando redes de suporte que contribuem para melhores resultados de saúde.​

Ao assegurarmos “inícios saudáveis”, estamos a construir “futuros cheios de esperança”, onde cada indivíduo tem a oportunidade de alcançar o seu pleno potencial e contribuir para um mundo mais saudável e equitativo. É este o valor da Saúde!

Autor

Luís Miguel Condeço

Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu

Artigo de Opinião de Vítor Santos—Desprezo pela ética e pelo fair-play

Seja qual for o nível de prática desportiva que se considere, podemos verificar que tem grandes semelhanças com o desporto profissional, já que é necessário preparar e organizar o jogo para a competição. Os atletas são a parte mais visível destas atividades, mas existe alguém que assume o papel central em todo o processo: o treinador. Há que perceber o grande impacto que um treinador tem junto dos seus praticantes para entender que a sua valorização tem sido esquecida.

Na sua grande maioria, os treinadores da formação dão mais valor ao facto de estabelecerem uma relação positiva com os seus atletas do que à sua promoção pessoal. Estes treinadores consideram que, mais importante do que vencer, é aquilo que os jovens aprendem na prática desportiva e o prazer que retiram da atividade. Ao terem estas convicções e os comportamentos correspondentes, a sua interação com os atletas vai‑se pautar pelos valores do desporto e o seu trabalho irá contribuir para melhorar significativamente a qualidade de um ambiente desportivo saudável. No entanto, muitos destes treinadores, jovens ainda, enfrentam grandes obstáculos ao tentarem atingir os objetivos a que se propõem. Na origem destes problemas estão a falta de colaboração dos pais, a interferência de dirigentes, pais e adeptos e a dificuldade em conciliar a sua atividade profissional com o tempo de treino. É igualmente verdade que na formação, mas não só, ainda temos muitos treinadores “voluntários”.

Infelizmente, há também um outro tipo de treinadores, os que têm comportamentos desviantes e irresponsáveis. Atualmente, seja qual for o nível de competição desportiva, encontramos exemplos de comportamentos desajustados por parte dos adultos, sejam eles agentes desportivos ou espetadores. É geralmente reconhecido que a forma como os adultos participam no desporto deriva da ligação que eles estabeleceram com o desporto durante a sua juventude. Não há grandes dúvidas acerca dos efeitos a longo prazo que a prática desportiva exerce sobre as crianças e jovens.

Se a cultura desportiva em que estes adultos foram formados assenta na obtenção de resultados imediatos, na hostilidade e na intimidação, eles não irão gostar do jogo. Eles não irão sequer perceber os princípios do jogo porque viveram o desporto num contexto de desprezo pela ética e pelo fair-play. Por isso assistimos demasiadas vezes a cenas lamentáveis envolvendo agentes desportivos e adeptos.

Quando escutamos ou lemos notícias sobre certas personagens, devemos lembrar-nos de que eles são o produto do contexto em que foram gerados e que não tiveram, nem quiseram ter, a capacidade para perceber O jogo. Escolheram o caminho mais fácil.

Ao longo do tempo, investiu-se muito pouco ou mesmo nada no comportamento. Porém, os valores do desporto não nascem de geração espontânea. Precisam de ser trabalhados desde a base e em permanência, antes, durante e depois de cada treino e de cada jogo. Não é de certeza o caminho mais fácil, mas é seguramente o mais gratificante.

Vitor Santos

Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto

Artigo de opinião – NAVEGAR SEM NAUFRAGAR

Os riscos do uso  excessivo das redes sociais

Vivemos numa era de conexão, mas nunca estivemos tão sós. As redes sociais, criadas com o intuito de garantir maior proximidade e facilidade de comunicação, rapidamente, se tornaram abismos invisíveis onde muitos, jovens e adultos, caem sem se darem conta. A névoa digital que retira a visibilidade perfeita da realidade, vai-se tornando num abraço apertado, que embora pareça reconfortante, pode ser sufocante. Cada like, cada comentário, cada partilha transforma-se num ato perigoso que corrói lentamente a autoestima, o autoconhecimento e a paz interior. O feed infinito de vidas aparentemente perfeitas constrói uma ilusão cruel: a de que a felicidade dos outros é real e constante, enquanto a nossa parece ser uma raridade ou até mesmo um erro ou um desajuste pessoal.

Este mundo em muito se assemelha a um iceberg, do qual só conseguimos visualizar um pequeno pedaço, a parte que cada pessoa escolhe para mostrar aos outros. Na verdade, por detrás de cada perfil perfeito, de cada foto retocada, de cada realidade convertida em história encantada, existe um aglomerado de experiências, emoções, desafios, lutas e inseguranças que permanecem ocultos. Se cada utilizador tem ou deve ter a obrigação de escancarar a sua vida, não, não tem! Mas quem está do outro lado a observar tem que ter a clara noção disso mesmo. Devido a questões culturais, sociais e até pessoais, habitualmente, é complexo para um ser humano expor as suas fragilidades. Mas o mais curioso é que na verdade, as redes sociais parecem funcionar como um livro de contos: ora um conto de fadas, onde todos são felizes e bem-sucedidos, ora se transformam num livro de terror, com conteúdos que promovem medo, insegurança e sofrimento.

O cérebro humano evoluiu ao longo de milhares de anos, tornando-se numa estrutura altamente adaptável e complexa, capaz de reagir e desenvolver competências racionais e emocionais. Especialmente na adolescência, o cérebro é extremamente sensível à comparação social. Nesta fase do desenvolvimento, os modelos sociais deixam de ser os
pais/cuidadores/familiares e passam a ser os pares e outros sujeitos com os quais se identificam, de alguma forma ou por algum motivo em particular. As redes sociais são um espelho para a apresentação destes novos modelos, o que na maioria das vezes acontece, é a falta de perceção de que o conteúdo revelado neste contexto digital é distorcido, o que se vê pode estar camuflado de manipulação, de informação filtrada, editada e idealizada.

E será que a solução passa pelo abandono das redes sociais? Não, acredito que o mais correto será falar em moderação e não em eliminação ou proibição. Recentemente tem vindo a ser estudado um novo fenómeno designado por FOMO (Fear of Missing Out). Este conceito surge da necessidade de classificar o sentimento de medo de estar fora ou a perder algo, ou seja, é a ansiedade causada pela sensação de que os outros se atualizam, divertem e têm sucesso enquanto eu estou de fora. É o medo da rejeição, da não integração no grupo. As redes sociais amplificam este sentimento, mostrando apenas os melhores momentos da vida das pessoas, criando uma falsa ilusão de perfeição que só os outros conseguem alcançar. Para evitar o FOMO, é importante lembrar que o que vemos online não representa a realidade completa e que cada um tem seu próprio ritmo e estilo de vida.

Contudo, o uso excessivo das redes sociais é uma realidade e quando colocamos em cima da mesa esta problemática, a solução que se vê como mais eficaz é a proibição e não a
educação. O que em primeira linha poderá não ser o mais adequado, afinal, sempre ouvimos dizer que o “fruto proibido é o mais apetecido”. Parece-me que a estratégia mais eficiente é a da literacia, da transmissão da mensagem direta sobre a dualidade risco-benefício, da utilização dos meios digitais.

Este processo de ensino-aprendizagem, deve focar fatos cientificamente comprovados. O uso excessivo de redes sociais promove uma maior libertação de dopamina no cérebro, criando um ciclo vicioso parecido com a adição de jogos ou drogas. Isso pode contribuir para a diminuição da concentração, pode causar ansiedade, desregulação emocional, problemas relacionados com o sono e diminuir o prazer em atividades simples. Além disso, a comparação com vidas perfeitas nas redes pode afetar a autoestima. Assim, é fácil perceber que esta situação pode impactar negativamente o desenvolvimento, especialmente em crianças e adolescentes.

Como temos vindo a referir ao longo deste texto, as redes sociais podem ter um impacto profundo na saúde mental dos jovens, influenciando emoções e comportamentos de forma preocupante. A exposição constante a vidas aparentemente perfeitas pode gerar sentimentos de inadequação, tristeza e baixa autoestima, levando alguns a pensamentos autodestrutivos. Além disso, a normalização da automutilação e do suicídio em certos conteúdos pode incentivar a imitação, especialmente entre os mais vulneráveis.

A automutilação, muitas vezes silenciosa e escondida, pode ser uma tentativa desesperada de transformar a dor emocional em algo visível, controlável. Um grito mudo esculpido na própria pele. A curto prazo, pode parecer uma válvula de escape, mas a longo prazo contribui apenas para aprofundar ainda mais a dor. É também uma realidade que as redes sociais facilitam o acesso a conteúdos perigosos. Algoritmos, que deveriam mostrar entretenimento e informação, acabam a recomendar conteúdos nocivos sobre transtornos psicológicos, romantizando a dor e sugerindo que o sofrimento é uma identidade. A exposição frequente a esses conteúdos pode normalizar ideias suicidas, tornando-as opções plausíveis para lidar com a angústia.

Mas não tem que ser assim! Os meios digitais podem ter uma utilização válida, mas é necessário estar consciente dos riscos para conseguir percecionar o perigo a tempo de evitar acontecimentos autodestrutivos (físicos e/ou emocionais). A verdadeira conexão não está na tela, mas sim no contato humano real, na escuta sem julgamentos, no apoio de quem nos ama. Afinal, somos muito mais do que a soma dos nossos seguidores ou dos likes que recebemos em cada post ou story publicados. Somos sim, seres humanos complexos, maravilhosos e únicos.

Lembrem-se! Se as redes sociais sugam para um lugar escuro, o mundo real tem cores que nenhum filtro pode recriar. E, mais importante, se sentem algum tipo de dor ou sofrimentos, não procurem ajuda e solução atrás de uma tela… nem procurem resolvê-la sozinhos. Há profissionais, familiares e amigos dispostos a caminhar consigo até encontrarem o caminho certo.

Se a dor se tornou insuportável, peçam ajuda. Procurar apoio não é sinal de fraqueza, mas de coragem. A sua vida tem valor. E merece ser vivida por completo, sem cortes, sem pausas, sem filtros.

É essencial promover um uso saudável das redes sociais, incentivando o diálogo, a literacia, a procura de apoio e a valorização da própria realidade fora do mundo digital.
Por (*)  Dra. Marta Duarte, Psicóloga Clinica e Gestora Executiva do CACB. Sócia da www.girohc.pt

 

Artigo de Opinião de Augusto Falcão—“Vamos lá falar de tolerância” parte 2

Voltamos, este mês a falar de tolerância; note-se mais uma vez, que não pretendo criar ideias fixas ou até estereotipadas sobre a tolerância ou o que deve ser a tolerância, mas criar no leitor uma “tempestade” de ideias de forma a promover uma reflexão crítica acerca do que queremos para a nossa sociedade em comum.

O que é caracteriza uma sociedade? É a crença de um grupo de pessoas em determinados valores, que todos em conjunto partilhamos, e com objetivos iguais em direção a um bem comum. São esses valores, é essa cola que nos identifica como portugueses, e que todos devemos preservar ou tentar preservar; no fundo, todas as sociedades, acabam por ter um direito, mais ou menos, sustentado à sua auto preservação, sendo esse direito, um direito razoável.

Se temos o direito, de auto preservarmos, esses direitos que nós consideramos fundamentais, onde começa a tolerância e acaba a mesma? Será que ao defendermos esses nossos valores não estamos a ser intolerantes? E onde fica o direito de preservarmos, de forma razoável, esses valores?

Estamos então perante um paradoxo? Aqui, permite-me o leitor, de responder por ele; sim estamos.

Paradoxo esse que já foi bastante filosofado por autores tal com o Popper, ou Rawls.

A defesa intransigente da sociedade de tolerância ilimitada, levará ao desaparecimento da tolerância; isso ocorrerá porque ao protegermos o direito de alguém ser intolerante, levará a que esses mesmos indivíduos, julguem dentro da sua intolerância , que eles não tem o dever ser tolerantes com a nossa posição, e eles mesmo irão lutar para que a nossa posição desapareça; é caso para dizer    que “a tolerância chegará a tal ponto que as pessoas inteligentes serão impedidas de fazer qualquer reflexão para não ofender os imbecis”, citação esta que foi incorretamente  atribuída a Dostoievski;

No entanto, devemos sempre permitir que o intolerante deva ser tolerado, caso contrário estaremos a ser intolerantes; no entanto, a liberdade de “ser parvo” – como se diz em bom português – deve ser restringida quando os tolerantes creem estar em perigo a sua liberdade, crenças e instituições. E essa restrição deve usar os meios que se julguem por convenientes para que essa preservação seja atingida. No entanto, o combate à intolerância deve ser primariamente, feito com argumentos racionais e através de debate de ideias, tentando demover os intolerantes, e levá-los a abandonar as suas crenças e valores de intolerância.

Ou seja, advoga-se o uso da força, se necessário, para preservarmos as nossas crenças e valores, que nos compõem como sociedade.

Deixo aqui, um conselho de leitura: “As sociedades abertas e os seus inimigos” de Karl Popper e a “Teoria da Justiça” de John Rawls, mas acho que no fundo a lição que podemos tirar é aquela que a sabedoria popular ainda nos diz que a “virtude está no meio” e que os extremos nunca são bons.  E que até a tolerância, sendo algo por essência uma virtude, tem que ser bebida com moderação necessária e adequada ao contexto conjetural em que vivemos.

Bom mês de março.

Augusto Falcão

Artigo de Opinião de Luís Miguel Condeço—–O futuro dos nossos sorrisos!

Autor

Luís Miguel Condeço

Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu

 

Nas últimas décadas, podemos afirmar que a saúde oral das crianças e adolescentes portugueses tem melhorado, muito por força das campanhas de sensibilização e programas de prevenção. Os dados mais recentes continuam a evidenciar desafios significativos, sobretudo no que diz respeito à elevada prevalência de cáries dentárias na infância e à disparidade no acesso aos cuidados de saúde oral. Apesar dos esforços do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (2021-2025) da Direção-Geral da Saúde, muitos jovens ainda enfrentam dificuldades no acesso a cuidados médico-dentários, o que compromete por si só, o seu bem-estar e a qualidade de vida.

O problema persistente é – a cárie dentária, que continua a ser a doença crónica mais prevalente na infância, com impacto significativo na saúde geral das crianças. A Organização Mundial da Saúde revelava em 2019, que cerca de 514 milhões de crianças em todo o mundo tinham cáries dentárias em dentes decíduos (ou “de leite”). Em Portugal, os dados do terceiro Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais (apresentados em 2017), indicavam que 45% das crianças portuguesas tinham cáries dentárias. Embora o número tenha vindo a diminuir desde a implementação do cheque-dentista, estas, continuam a ser uma realidade preocupante, especialmente entre as crianças mais novas.

Em 2023, a Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária realizou um inquérito a nível nacional, no qual 13% dos pais portugueses afirmaram que os seus filhos tiveram problemas dentários devido a maus hábitos de higiene oral. A situação agrava-se entre crianças de contextos socioeconómicos mais vulneráveis, onde o acesso regular a consultas de medicina dentária é menos frequente, além das desigualdades regionais também serem um entrave na equidade do acesso aos cuidados de saúde oral.

A DGS e o seu programa nacional (PNPSO 2021-2025), introduziram importantes medidas para reforçar a prevenção e o tratamento das doenças orais em Portugal. Este programa abrange crianças e adolescentes (até aos 18 anos), bem como grávidas e pessoas de outros grupos vulneráveis, promovendo a literacia em saúde oral, a aplicação de flúor, a selagem de fissuras dentárias e o acesso a consultas de higiene oral e medicina dentária, através do cheque-dentista. Contudo, a implementação do programa tem enfrentado alguns desafios, como a falta de adesão por parte de algumas famílias ou a insuficiência de profissionais de saúde oral no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Nem só o acesso aos cuidados médico-dentários, é fundamental para a prevenção das doenças orais, também, a educação para a saúde oral desempenha um papel preventivo por excelência. A promoção de bons hábitos desde a infância, como a escovagem dos dentes duas vezes por dia com dentífrico fluoretado, a redução do consumo de açúcares e a realização de consultas regulares de medicina dentária, são essenciais para garantir uma boa saúde oral ao longo da vida.

O impacto na alteração da saúde oral, vai muito além da boca, descrevendo vários estudos que, crianças e adolescentes com problemas dentários têm maior probabilidade de sentir dor crónica, dificuldades na alimentação, distúrbios do sono e menor rendimento escolar. Em 2023, um estudo publicado na prestigiada revista científica Pediatric Dentistry Journal, evidenciou que crianças com cáries não tratadas apresentavam um desempenho académico inferior, às crianças com uma boa saúde oral.

Portugal tem dado passos importantes na promoção da saúde oral infantil, mas ainda há um longo caminho a percorrer. É essencial reforçar:

  1. Alargamento do cheque-dentista, para inclusão precoce de crianças com dentes decíduos;
  2. Presença de especialistas em medicina dentária no SNS e outros profissionais habilitados para a vigilância da saúde oral das crianças e adolescentes;
  3. Investimento na literacia em saúde oral, através de campanhas educativas que envolvam os pais, os professores, e claro, as crianças e adolescentes, promovendo hábitos alimentares saudáveis e de higiene oral;
  4. Atenção ao impacto das desigualdades socioeconómicas, apoiando as famílias com menos recursos económicos na consecução dos cuidados dentários expectáveis.

Se cuidarmos da saúde oral das “nossas” crianças e adolescentes, construímos um futuro sorridente, no entanto, as famílias, as escolas e os profissionais de saúde devem unir esforços para garantir que todas as crianças tenham um sorriso saudável. Pois mais não é, do que o indicador de um corpo saudável e de uma sociedade mais justa e equilibrada.