Penso que será unânime, considerarmos o dia 10 de junho (de há 445 anos) como o dia do desaparecimento de um autor genial da língua portuguesa – Luís Vaz de Camões. Porque será importante este marco? Porque de forma incessante nos incutem desde a pequenez, o gosto pelos versos decassílabos combinados em oitavas d’Os Lusíadas? Talvez!
Todos os povos têm os seus dias grandes, e para nós portugueses, é o 10 de junho, que mais do que um feriado, é um espelho da alma nacional, que celebra a história, a cultura e a identidade lusitana. Dia que nasce em torno da figura do poeta Camões, que hoje nos abraça, dentro e fora de fronteiras, ou “além da Taprobana”.
A celebração do Dia de Portugal, está intimamente ligada ao Poeta, e à presumível data da sua morte (1580), já que três séculos depois, e sob o impulso do rei D. Luís I, por forma a evocar o tricentenário da sua morte, esta data começa a ser celebrada como festa nacional.
A difícil situação económica e política do país no final do século XIX e início do século XX, e o regicídio (1908) e a implantação da república em 1910, retiraram à data o seu cariz oficial (mas o espírito patriótico manteve-se). Em 25 de maio de 1925, há 100 anos, era publicada no “Diário do Gôverno” por ordem da “Presidência do Ministério”, a Lei n.º 1.783 que considera “nacional a Festa de Portugal, que se celebrará no dia 10 de junho de cada ano”, reforçando o elo entre o génio de Camões e o espírito do povo português.
Durante o regime ditatorial do Estado Novo, a comemoração do dia nacional ganhou nova dimensão, transformando-se o lema do dia num poderoso instrumento de propaganda do regime – “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”. E exemplo disso, foi a inauguração do Estádio Nacional (1944), palco de cerimónias grandiosas que exaltavam a ideia de um Portugal uno, heroico e eterno, mesmo quando, do outro lado do mar, as guerras coloniais começavam a abalar esse ideal.
Comemorar Camões, Portugal e a “raça” era, afinal, celebrar uma visão estática e imperial da nação, tornando-se as Forças Armadas presença constante nas cerimónias, sobretudo a partir de 1963, reforçando o imaginário de resistência e missão civilizadora, embora escondendo uma triste realidade nacional, com um país desigual, reprimido e isolado.
Com o 25 de abril de 1974, Portugal democratizou-se, repensou-se e abriu-se ao mundo, assumindo este dia comemorativo em 1978 a designação oficial que hoje conhecemos – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Reconhecer os milhões de portugueses espalhados pelo mundo, que partiram em busca de melhores condições de vida, é reconhecer que Portugal não é só território: é sentimento, é língua, é memória viva que atravessa continentes. A pátria passou a ser também a diáspora.
Hoje, o 10 de junho é itinerante. Nos últimos anos, uma cidade portuguesa e/ou uma comunidade portuguesa no estrangeiro acolhem as celebrações presididas pelo Presidente da República. É um belo modo de aproximar os órgãos de soberania aos cidadãos, e de dar voz à diversidade do país, refletindo sobre quem somos.
De há cem anos para cá, Portugal atravessou convulsões políticas, mudanças económicas e grandes transformações sociais. Evoluímos de um país agrário e fechado a uma nação democrática, europeia, com uma economia moderna e um sistema de direitos consolidado (educação, saúde, cultura, ciência).
Camões continua presente, não apenas nas estátuas ou nos manuais escolares, mas na força da língua portuguesa, que hoje une mais de 260 milhões de pessoas em todo o mundo (quarto idioma mais falado). E as comunidades portuguesas, tantas vezes esquecidas, são hoje reconhecidas como parte essencial do nosso tecido identitário.
Entre o passado e o futuro, é o momento para honrarmos quem nos trouxe até aqui, heróis épicos ou trabalhadores anónimos, e pensarmos que país queremos construir. Mais justo, mais coeso, mais plural.
Num tempo de incertezas e transformações globais, Portugal não é apenas um lugar: é um projeto comum. E, nesse projeto, há espaço para todos.
Viva Portugal, viva Camões e vivam as Comunidade Portuguesas.
Autor
Luís Miguel Condeço
Professor na Escola Superior de Saúde de Viseu