Na liturgia do Advento há duas personagens que nos acompanham e que são exemplo para nós: Maria e João Baptista. Os dois prepararam intensamente a vinda de Jesus. O texto do evangelho deste Domingo centra-se na actividade de João Baptista no deserto da Judeia. A sua mensagem é simples e clara: “Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus”. Simples não quer dizer fácil. Em primeiro lugar, porque mudar não é fácil. Em segundo lugar, porque não nos são dadas receitas precisas para ajudar a fazer esta mudança. Cada um tem de ser criativo na sua vida para que a mudança aconteça. Mudar custa, tomar decisões também. Preferimos que alguém nos diga claramente o que temos de fazer, que normas devemos cumprir. Mas, Jesus não é pessoa de dar receitas. Como João Baptista, desperta-nos, convida-nos, encoraja-nos com ternura para transformarmos a nossa vida.
Há um aspecto interessante: a mensagem de João Baptista, como também a de Jesus, é bem acolhida pelas pessoas simples e humildes, que estão cansadas das palavras vazias dos seus mestres e dos seus governantes que dizem e não fazem. Em João, a sua maneira de vestir, as suas palavras e as suas acções são coerentes. Fala para as pessoas com sinceridade, não tem medo das consequências que possa ter. Por isso, tantos vão ao seu encontro e pedem-lhe para serem baptizados. João Baptista procura que cada um assuma o que é, faça uma revisão de vida. Aqui não contam os títulos, os prestígios da sociedade, a condição social, nem a religião. Para João, o mais importante é a comparação entre o que uma pessoa é e o que faz com o que poderia ser e fazer.
Esta mensagem de João faz surgir, no tempo do Advento, um convite à conversão, a mudar. Se não mudarmos, Jesus passará adiante na nossa vida, não nascerá na nossa vida. Quem está convencido que é perfeito, que já sabe tudo, que não precisa de se purificar e renovar, não necessita do Advento, muito menos do Natal. O seu Advento e o seu Natal serão uma rotina, da mesma forma que se repetem os dias da semana ou as estações do ano. Fica cristalizado, sempre na mesma, não cresce, não avança na vida, é indiferente a tudo o que acontece à sua volta com as pessoas. Todavia, ser cristão não é isto. Ser cristão é viver com esperança. E a esperança só é possível se acreditarmos que a vida pode ser melhor, apesar das dificuldades e sofrimentos.
O profeta Isaías é um mensageiro da paz e da esperança. As palavras de Isaías, na primeira leitura, escritas para o povo de Israel que vive no exílio, estão recheadas de esperança. Esperança de paz, de harmonia da humanidade com tudo à sua volta, ilustrada com a imagem de uma boa convivência entre os homens e os animais. Ser homens e mulheres de esperança significa acreditar que a paz é possível. Mas esta esperança só será credível se, ao mesmo tempo, houver acções que promovam a paz.
Neste Domingo, somos convidados à conversão e a endireitar os caminhos do Senhor, para que Ele possa vir até nós e entrar nos nossos corações e nas nossas vidas. E bem precisamos de nos converter: das nossas divisões, dos nossos egoísmos, das nossas guerras e invejas, das nossas injustiças e faltas de solidariedade, da nossa indiferença ao mal que reina à nossa volta. Mudar a nossa vida torna visível e palpável o Reino de Deus entre nós. O Advento é esta espera activa do Messias e do seu Reino que está próximo.
LEITURA ESPIRITUAL
«Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas»
É evidente para todo o leitor que João não pregou apenas, mas também conferiu um baptismo de penitência. Não pôde, no entanto, dar um baptismo que remisse os pecados, pois a remissão dos pecados só nos é dada no baptismo em Cristo. Por isso o evangelista diz que ele «pregava um baptismo de arrependimento para a remissão dos pecados» (Lc 3,3); não podendo ele próprio dar um baptismo que perdoasse os pecados, anunciava esse, ainda por vir. Tal como as suas palavras de pregação eram precursoras da Palavra do Pai feita carne, assim o seu baptismo precedia o do Senhor, como sombra da verdade (Cl 2,17).
Este mesmo João, interrogado sobre quem era, respondeu: «Eu sou a voz daquele que grita no deserto» (Jo 1,23; Is 40,3). O profeta Isaías chamara-lhe «voz», pois ele precedia a Palavra. Aquilo que gritava é-nos ensinado a seguir: «Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas». O que faz aquele que prega a fé verdadeira e as boas obras, senão preparar a estrada nos corações dos ouvintes para o Senhor que vem? Possa a graça penetrar nestes corações, iluminá-los com a luz da verdade.
Acrescenta S. Lucas: «Todos os vales sejam levantados, todas as montanhas e colinas sejam abaixadas». Que designam aqui estes vales, senão os humildes, e os montes e as colinas, senão os orgulhosos? Com a vinda do Redentor, segundo a sua própria palavra, «quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Lc 14,11). Pela fé no mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo feito homem (1Tm 2,5), aqueles que nele crêem receberam a plenitude da graça, enquanto os que se recusam a crer foram humilhados no seu orgulho. Todos os vales serão levantados porque os corações humildes, ao acolherem a palavra da santa doutrina, serão cumulados pela graça das virtudes, segundo o que está escrito: «Das fontes fez jorrar rios, que serpenteiam nos vales» (Sl 104,10). (São Gregório Magno (c. 540-604), papa, doutor da Igreja, Homilias sobre o Evangelho, nº 20).
IMACULADA CONCEIÇÃO
Durante estas semanas de Advento, o exemplo de Maria é maravilhoso para estimular a nossa esperança. Esta mulher não teve uma vida fácil, como podemos ter a tentação de pensar. Aparecer grávida sem estar casada; ter que contar a José, seu noivo, esperando que ele acreditasse contra toda a lógica e com medo de ser repudiada e apedrejada; ficar sozinha tão nova; ver o seu Filho sem casar e ser tido por todos como louco; ver o Seu Filho ser torturado até à morte, suspenso numa cruz: não são momentos de uma vida fácil. Mas isto foi a vida desta mulher. É verdade que nós podemos ver a sua vida de outra maneira, porque já conhecemos o final da história (a ressurreição de Jesus, o sonho de José a sua própria assunção…). Mas, pensais que foi fácil para esta mulher acreditar que Deus estava sempre com ela? De facto, não foi. Não foi fácil e, em alguns momentos, deve ter tido medo. Porque não é fácil ver Deus ao teu lado nas situações mais difíceis. Quantas mulheres sofrem e morrem por causa das barbaridades da violência doméstica! Quantas viúvas vivem sozinhas, abandonadas e esquecidas pela família, até por alguns dos filhos! Como viverão os pais que vêm morrer os seus filhos de acidente, de doenças incuráveis, vítimas dos vícios e da vida pervertida? Nestas circunstâncias, será fácil sentir a proximidade da mão de Deus? Sabeis porque é que Maria é exemplo para nós? Porque sempre manteve a esperança, a esperança em Deus e na sua poderosa força. Uma força que dá vida, que faz justiça, que liberta, apesar de muitas vezes, não percebermos nem sentirmos a claridade da sua presença.
Celebrar a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria é proclamar que Maria foi concebida sem pecado original. Não se trata de celebrar a concepção virginal de Jesus, mas afirmar que Maria foi preservada de toda a mancha de pecado desde o primeiro momento da sua existência, preparada para ser a Mãe do Redentor. Maria foi escolhida por Deus para a missão de ser Mãe de Jesus, mas esta escolha não lhe retirou a liberdade da resposta e a sua adesão ao projecto de Deus. Maria não nasceu a saber já a sua missão. Ela foi educada na sua família para a fidelidade a Deus, na educação dada pelos seus pais e na sua intimidade com o Senhor. E quem assim vive facilmente aceita os projectos divinos, quando eles são revelados. Maria percebe que o sonho de Deus é maior do que os seus sonhos e projectos pessoais. Ao ouvir a mensagem do Anjo, Maria perturba-se. É surpreendida pelo anúncio, muitas perguntas e incertezas surgiram naquele momento. Não há tempo para muitas reflexões; a urgência da Encarnação da Palavra Eterna exige prontidão. Então, Maria coloca-se nas mãos de Deus, pergunta o que deve fazer. A Maria somente se pede o consentimento, porque Deus não força as nossas respostas nem condiciona a nossa liberdade. Então, a prontidão, mais que disponibilidade, torna-se obediência e generosidade: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. A sua vida não é mais sua: Maria é toda de Deus, consagrada à sua vontade santa.
O “sim” de Maria não é apenas um “sim” a Deus, é também um “sim” à Humanidade. O seu “sim” inverte a desobediência de Eva. Agora, Maria torna-se a “Nova Eva”, a Mãe de todos os viventes redimidos em Cristo. Por Ela veio ao mundo o Salvador do Mundo. Maria é o modelo daquilo que Jesus sonha fazer em cada ser humano: escolheu-nos, “antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença”. Que o Senhor possa igualmente fazer maravilhas na nossa vida, como fez na vida de Maria.
04-12-2022
LEITURA ESPIRITUAL
Alegre-se a gloriosa Virgem Maria, tua Mãe!
Bendiga-Te a santa glória da tua divindade, meu Deus e minha doçura, com a qual Te dignaste encher e cumular durante nove meses as castas entranhas da Virgem Maria. Bendiga-Te o elevado poder da tua divindade, que Se inclinou sobre as profundezas deste vale virginal. Bendiga-Te a engenhosa omnipotência, ó Deus altíssimo, que difundiu tanta virtude, graça e beleza sobre a rosa virginal, a ponto de Tu próprio a desejares.
Bendiga-Te a tua admirável sabedoria, cuja graça abundante fez com que toda a vida de Maria, no seu corpo e na sua alma, fosse conforme à tua dignidade. Bendiga-Te o teu amor forte, sábio e doce, que fez com que Tu, flor e esposo da virgindade, Te tornasses Filho de uma virgem. Rejubilem em Ti, por mim, o mui digno coração e a alma da gloriosíssima Virgem Maria, tua Mãe, que para tal escolheste com vista às necessidades da minha salvação, a fim de que a sua maternal clemência me fosse acessível.
Rejubilem em Ti os fidelíssimos cuidados que tiveste comigo, concedendo-me uma tão poderosa e boa advogada e patrona, por quem posso facilmente obter a tua graça, e em quem, confiadamente o creio, me reservaste a tua eterna misericórdia. Rejubile em Ti este admirável tabernáculo da tua glória, que Te serviu dignamente oferecendo-Te uma habitação sagrada. (Santa Gertrudes de Helfta, 1256-1301, monja beneditina, Exercícios VI, SC 127).